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sábado, 4 de agosto de 2018

CORPO E ALMA VOLTA AO PÓ


Introdução
Durante meu trabalho como pesquisa de teologia acadêmica para o titulo de "Mestrado" acabei deparando-me com um tema de grande relevância para o debate sobre bioética e religião: a velha questão da “origem da alma humana”. Neste sentido decidi escrever este pequeno texto como forma de orientar meus colegas alunos, seminaristas e amigos sobre como a teologia cristã vivido entre a ciência de Deus e a ciência do homem tem pensado esse tema em seus 2000 anos depois de Cristo.
Espero que seja útil.
1. Corpo e alma na teologia cristã (Assim está também escrito: O primeiro homem, Adão, foi feito em alma vivente; o último Adão em espirito vivificante (1 Co15.45 NVI).

Como era de se esperar desde cedo os teólogos cristãos especularam sobre a relação entre a forma material e a imaterial. A constituição do ser humano foi objeto de grande preocupação para a tradição teológica cristã. Esta tradição de pensamento esteve intimamente ligada a compressões filosóficas e científicas seculares do sentido da criatura humana. A cada época os teólogos estiveram alerta ao que o conhecimento secular poderia dizer sobre a natureza física do homo sapiens.
Os próprios termos “corpo”, “alma” e “espírito” são provenientes do universo greco-romano. Na verdade estes termos se prestam a tornar a concepção teológica do ser humano bastante complicada e, por vezes inacessível a uma interpretação fácil. Um exemplo disso é o conceito de “corpo”, geralmente compreendido como oposição a “espírito”, fonte de muitos dualismos e maniqueísmos, geralmente interpretados sob as lentes do dualismo corpo-alma de Platão ou da revisão deste dualismo realizada por Aristóteles (chamada de “hilemofismo”) que da concepção judaica e paulina do ser humano. A qual foi a linha de minha pesquisa de conclusão na faculdade.

Para a antropologia bíblica o ser humano é uma unidade psicofísica, corpo e alma, matéria e espírito. O homem é um todo organizado pelo “corpo” (basar), a condição do homem enquanto ser histórico, com vínculos e obrigações de parentesco e solidariedade; pela “alma” (nefesh), ser vivente, que sonha e respira e “espírito” (ruach), a sua relação de abertura ao Criador. Essa antropologia é mantida e ampliada por apóstolo Paulo no Novo Testamento (Copo/soma; alma/psiche e espírito/pneuma).
Por outro lado a compreensão científica e filosófica contemporânea do ser humano e da sua personalidade tende a enfatizar sua unidade radical. O ser humano não apenas “tem” um corpo e uma mente, mas “é” esse corpo e a essa mente, embora não haja consenso sobre a relação entre esse corpo, essa mente e esse espírito. Nem mesmo há total acordo a respeito de como essa mente deveria ser descrita.
Junte-se a isso o próprio caráter ambíguo e complexo da espécie humana, que apesar de ter os olhos voltados para as estrelas possui origem no pó da terra. Gregório de Nissa (335-385) foi o primeiro sintetizador dos dogmas cristãos. Ele diferenciava fé e conhecimento e o conhecimento ele  como teólogo expressou este sentimento ao falar do ser humano como fator intermediário entre o âmbito terreno animal e o âmbito espiritual, divino. Essa mesma idéia é nos dada pelo salmista: Quanto olho para o céu, que tu criastes, para a lua e para as estrelas, que pusestes nos seus lugares-/que é um simples ser humano para que penses nele? "Qual é o homem mortal para que te lembres dele? e o filho do homem, para que o visites? Pois poucos fizestes  com que do que os anjos, e de glória e de honra o coroastes. Fazes com que tenha domínio sobra as obras de tuas mãos; tudo puseste debaixo de seus pés: Todas as ovelhas e bois, assim como os animais do campo. As aves dos céus, e os peixes do mar, e tudo o que passa pelas veredas dos mares". Das tuas mãos sobre as obras humano inferior somente a ti mesmo e lhe deste glória e poder e a honra de um rei [...]” (Salmo 8. 4-6).
Quem somos nós? Há três formas de conceber essa resposta, três modos de explicar a origem da pessoa humana. Falamos em visão “tricotômica” ao falarmos de corpo, alma e espírito, enquanto de uma visão “dicotômica” somente em corpo e alma. Já os monistas afirmam que não há separação radical entre o corpo e a alma, a não ser metaforicamente.
Quanto à origem há também três teorias cristas sobre esse tema: a preexistência, a criação e a tradução. Comecemos pela mais antiga e polemica delas.
A) A teoria da preexistência. Para os defensores do pré-existencialismo, as almas humanas já existiam em um estado anterior, e qualquer deficiência moral que demonstrasse neste estado, teria grande implicação na vida material desta alma. Alguns ícones teológicos desse pensamento são: Orígenes (185-254) e Scotus Erígena (810-877). De acordo com esta teoria as almas já tiveram uma existência separada, consciente e pessoal, em um estado prévio; que havendo pecado nesse estado pré-existente, elas são condenadas a nascer nesse mundo em um estado de pecado e em conexão com um corpo material em algum ponto do começo do seu desenvolvimento.
Segundo Orígenes, no Peri Arkhôn (“No princípio”) há três elementos no homem: o corpo, a alma e o espírito. Somente este último é imortal. Deus criou, desde toda a eternidade, um universo de seres espirituais unidos a corpos de natureza , etéreos, dotados de livre arbítrio e igualdade. Acontece que eles pecaram, afastando-se da presença divina. Segundo a gravidade de sua falta, foram condenados a habitarem um corpo diferenciado (demônios ou humanos, saudáveis ou doentes, sábios ou tolos etc.). Muitos acham que os discípulos de Cristo foram influenciados por essa idéia quando disseram a respeito do homem que havia nascido cego: “Mestre, (Rabi) quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego?” (João 9:2). Dessa forma cada alma teria uma vida espiritual anterior a essa encarnação, devendo ser responsável nessa vida pelos seus pecados herdados. Jesus respondeu: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi assim para que se manifestem nele as obras de Deus (Jo 9.3).
Dessa forma cada alma teria uma vida espiritual anterior a essa encarnação, devendo ser responsável nessa vida pelos seus pecados herdados.
Porém pela prática da vida cristã e da contemplação, os seres humanos poderão desprende-se de sua situação atual e reencontrar a condição superior original. No fim dos tempos, os corpos ressuscitados vão recuperar sua condição sutil, tornando-se corpos espirituais novamente (Cf. 1 Cor 15, 42-49)..42 Assim também a ressurreição dentre os mortos. Semeia-se o corpo em corrupção; ressuscitará em incorrupção. v.44 Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual.

Nas formas mais modernas desse pensamento, podemos encontrar Kant. Para ele a depravação da vontade, ou sua deficiência moral, só pode ser real a partir de um ato pessoal de autodeterminação em um estado anterior ao da vida material. Assim, todos os homens que vivem materialmente, tem suas definições finais determinadas por esse ato pré-temporal.
Já o criacionismo e o traducionismo derivam da doutrina da criação. O primeiro afirma que Deus cria uma alma para cada corpo gerado, enquanto que o segundo ensina que as almas são geradas das almas, da mesma forma e ao mesmo tempo que os corpos o são dos corpos. A partir de Tertuliano, de cuja obra De anima (c. 210; Sobre a alma) surgiu o traducionismo e, por analogia, o criacionismo, muitas foram às polêmicas em torno das duas doutrinas e sua relação com o pecado original.

B) O Criacionismo. A teoria criacionista afirma a clara existência de uma dupla natureza humana: a corporal e a espiritual. Deus cria diariamente almas para acoplar em corpos que estão sendo gerados. De acordo com esta escola, o espírito é criado por Deus e agregado ao corpo do minúsculo ser, no momento do ato gerativo, ou ao longo do desenvolvimento fetal ou, ainda, no dia do nascimento. O criacionismo se opõe a teoria preexistencialista, a qual preconiza que os espíritos foram criados antes da geração humana, e ficaram à espera de corpos que lhes fossem preparados para sua agregação e a teoria traducionista que parece não leva em consideração a diferença entre a criação da alma e do corpo (Cf. Ecl.12,7; Isa 42,5 e Hb 12,9).
O criacionismo, ao contrário, ensina que Deus cria um espírito para cada corpo, no momento da geração. Não significa que a alma é criada primeiro “separadamente do corpo”, mas que ela é “chamada à existência” por Deus num dado momento, pré-formada na vida física do feto, ou seja, na vida dos pais. Entre os adeptos da teoria do criacionismo estão Ambrósio (337-397), Jerônimo (331-419), Anselmo (1034-1109), Aquino (1225-1274), Calvino (1509-1564) a maioria dos católicos romanos, ortodoxos e anglicanos.
Nesta escola há dualidade sem dualismo, separação sem antagonismo, como podemos ver na teoria de São Tomaz de Aquino, para quem a ligação da alma com o corpo não é composto de duas substâncias que poderiam subsistir por elas mesmas. Alma e corpo estão intimamente unidos. A alma é a forma do corpo. Há nessa teoria uma forte influencia das idéias de Aristóteles para quem “forma” e “substancia”, corpo e alma são intimamente ligados.
C) O Traducionismo. O termo “traduciano” provém do verbo latino “traducere” (“levar ou trazer por cima”, “transportar”, “transferir”). Sustenta que a espécie humana foi criada imediatamente a partir do primeiro ser humano, Adão, no que diz respeito à alma como também ao corpo, e que ambos são propagados da parte dele para a geração natural. O traducionismo tende ao monismo, negação da dualidade corpo - espírito. Em outras palavras, Deus outorgou aos primeiros seres humanos, Adão e Eva, os meios pelos quais eles (e todos os seres humanos) teriam descendentes à sua própria imagem, perfazendo, assim, a totalidade da pessoa material e imaterial (Cf. Gn 1, 28;2,7; Hb 7, 9,10). Entre os defensores dessa teoria termos Tertuliano (155-22), Gregório de Nissa e Lutero (1483-1546). O criacionismo foi a teoria grandemente aceita pelo Oriente, enquanto o traducionismo, pelo Ocidente.
A teoria traducionista explica que a alma de uma pessoa tem sua origem na alma dos pais. Segundo essa visão, não existiria uma alma que reencarna, mas apenas uma alma, espírito ou princípio de vida que é transmitida no momento da concepção pelos pais. A alma da criança tem supostamente sua origem na cisão da alma dos pais. Os pais, por sua vez, a receberam de seus pais e assim por diante.
Como afirma um dos seus defensores: “durante a concepção física da criança partes das almas dos pais se separam e se unem em torno do embrião para formar uma nova alma”. O traducionismo não explica o modo como se dá essa transmissão e indica que a passagem de alma dos pais para a alma da criança pode até mesmo ser inexplicável.
O traducionismo é a mais “material” das teorias. Nesse sentido, há muita ênfase no aspecto da formação corporal na criação da alma. Ou seja, seria preciso considerar a alma como algo ligado ao material, não sendo independente deste. Essa idéia contraria a própria noção de alma vigente, como algo autônomo e proveniente da própria divindade.

Uma citação das cartas paulinas para reflexão permanente: "Portanto, meus amados irmãos, sede firmes e constantes,sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que vosso trabalho não é vão no Senhor (1 Co 15.58)