Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador balão mirante. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador balão mirante. Mostrar todas as postagens

domingo, 17 de setembro de 2017

Eu também cantarei a canção ao Senhor

Um dia subiu um homem ao mirante da sua casa, que era muito alto, e de lá olhou para baixo.
E viu outro homem, que estava em pé, parado junto á boca d’uma pedreira.
E em quanto estava a olhar, soprava o vento em redor dele, e o ruído, que o vento lhe fazia aos ouvidos, atordoava-a e o ofuscava.
E disse para si: Eu, que aqui estou, sou maior que aquela criatura que vejo acola (lá) em baixo, e que me parece tão pequena.
E falava deste modo, porque fazia como fazem quase todos os homens, que, medindo sua própria altura, se esquecem de sempre de descontar a do pedestal em que se acham.
Ora, em quanto o homem do mirante tinha abaixada a vista, com desdém, para o homem do chão, aconteceu sentir ele alguma coisa que lhe caíra na cabeça; e tendo levantado a vista, viu á encosta da sua casa uma torre muito mais alta; e na torre havia também outro homem.
E este homem, reparando que o do mirante lhe ficava debaixo, acreditou que o podia desprezar, e escarrou-lhe desdenhosamente na cabeça.
Mas o homem do mirante encheu-se de indigna e disse: Por que não me é permitido chegar até acolá (até ele)? E ameaçou o homem da torre. E o homem da torre, como visse que as ameaças do outro eram impolentes, ria e escarnecia-o (Sl 1:1).
Ora, ao tempo que ele ria, eis que sentiu ele mesmo cair-lhe uma coisa na cabeça; e levantando os olhos enxergou no ar um balão, que se balanceava majestosamente; e na barquinha do balão ia um homem.
E tendo o homem do balão feito reparo no homem que estava na torre por baixo dele, acreditou que podia trata-lo- com desdém, e divertia-se lhe despejando na cabeça sacos de areia e de cascalho.
Mas o homem da torre indignou-se também, e disse: Por que não posso subir aquela barquinha? E ameaçou com toda a fúria o homem do balão; e suas ameaças tinham tanta força como as do homem do mirante.
Durante este tempo, tendo o homem do chão olhado também para cima, distinguiu o do mirante, o da torre, e o do balão.
E disse: como é bom estar tão alto! Como se deve ver ao longe e respirar livremente! Se eu estivera ao menos no mirante, teria ar, e o calor não me sufocaria, como aqui no chão.
Ora, em quanto ele assim falava, ouviu uma voz que de um cavouqueiro, que dizia: Que triste sorte é passar a vida debaixo do chão, e derramar o seu suor no meio d’um ar emprestado e húmido, ao triste clarão de uma lanterna, em quanto que os outros andam lá por cima, passeando sobre a relva, e respirando ao sol!
Ora, em quanto estas coisas se passavam, tinham-se amontoados as nuvens no céu, e veio a desabar uma violenta tempestade. O trovão rolava com estrondo medonho, e os relâmpagos rasgavam as nuvens.
E o balão era tão violentamente agitado  no ar, que o homem da barquinha já não despejava areia, nem se divertia com alguém, porque naquela ocasião não quereria estar tão alto, e de boa mente trocaria a sua posição por outra menos brilhantes.
Mas em quanto dava gemidos inúteis, e baldados gritos de terror, caiu um raio que abrazou o balão, e o homem da barquinha foi precipitado, e o seu corpo todo despedaçado.
E pouco depois caiu também outro raio na torre, e o homem que lá estava ficou fulminado.
E tendo o raio arrancado pedras da torre, caiu uma no mirante, e o homem que nele estava levou com uma, que lhe partiu um braço.
E o homem que estava no chão livrou-se com ficar molhado pelas torrentes de chuva que as nuvens derramavam.
E o homem que estava na pedreira nem se quer presenciou que desabara  em cima uma trovoada; e tendo chegado o instante de descansar, não mais se queixou,  mas pôs-se a cantar.
Então, ouvindo o homem do chão, que ele cantava, debruçou-se para a entrada da pedreira, e falou ao carvoqueiro: narrando o que acabava de acontecer.
E tendo narrado estas coisas, acrescentou: Não tornes a queixar-te por estares em lugar tão baixo; porque aquele que se achava mais alto, estando mais chegado á tempestade, foi o que primeiro e mais asperamente a sentiu.
O golpe também foi mortal na torre, e bastante pesado no mirante. Eu mesmo, por me achar em lugar algum tanto mais alto que o teu, tive também a minha pequena parte.
Queixavas-te em quanto os outros riam; agora tens razão de cantar, pois que a tormenta, que os abateu, não interrompeu nem o teu trabalho nem o teu descanso.
Eu vou também cantar, e não mais me queixarei, pois que só me molhou a chuva, e posso secar-me ao sol.
Estas palavras fizeram refletir o homem da pedreira, que disse consigo: Consolemo-nos de ser pequeno, pois que a grandeza neste mundo custa muito caro, e que os cuidados, os perigos e os contratempos são a moeda com que se ela paga.
E ainda por este preço não se pode chegar tão alto, que se deixe de encontrar quem esteja mais elevado; pois só Deus goza pacificamente de sua grandeza, não vê ninguém que lhe seja superior, e nunca pode decair. 
Fonte: História de Felipe o mercador de feira ou Simão de Nantua