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domingo, 8 de junho de 2025

A IGREJA EM DECLINEO

 

Do livro de Tomás Halik - IHU. Falando teologia

Uma Igreja que buscasse hoje um projeto de restauração correria o risco de se tornar uma seita tradicionalista. A Igreja precisa de oásis de espiritualidade e de pessoas que consagrem sua vida aos seus cuidados, mas a Igreja não pode e não deve criar uma ilha de contracultura na sociedade.

O comentário é do padre italiano Gabriele Ferrari, responsável pelo Centro de Formação Permanente dos Padres Xaverianos, ex-superior geral dos xaverianos por 12 anos e ex-missionário em Burundi, ao comentar o último livro de Tomáš Halík.

O artigo foi publicado em Settimana News, 14-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o artigo.

Li com crescente interesse – embora certamente não seja uma leitura amena... – o livro “Pomeriggio del cristianesimo. Il coraggio di cambiare” [Tarde do cristianismo: a coragem de mudar] (Edizioni Vita e Pensiero, 2022, 275 páginas), de Tomáš Halík, que meu bispo me presenteou de Natal.

É um livro interessante que – como diz o subtítulo – tem como assunto a atual situação da Igreja, um tema que está hoje… quase na moda. São muitos os artigos que se fazem a pergunta sobre qual será o futuro da Igreja.

“Tarde do cristianismo: a coragem de mudar”, em tradução livre, novo

 livro de Tomáš Halík (Foto: Divulgação)

Halík se propõe a mostrar que as mudanças que ocorreram e estão ocorrendo são passagens históricas inevitáveis, porque estão inscritas na história. Portanto, não faz sentido se assustar e tentar voltar apressadamente para o passado.

Halík convida a Igreja a repassar a sua história e a ler nos acontecimentos em curso as indicações para o futuro empenho pastoral com um convite à esperança: a Igreja não está no fim, e a reforma à qual ela é chamada pelo Papa Francisco é o caminho para o seu futuro!

Saiba ler a mudança

Halík, teólogo, mas também sociólogo e psicólogo originário da República Tcheca, que hoje trabalha principalmente no mundo anglo-saxão, propõe uma maneira particular de interpretar a história, a kairologia. O novo termo – que vem de kairós – indica “a experiência hermenêutica teológica da fé na história” (p. 35), que recorda “a leitura dos sinais dos tempos” que se tornou práxis comum com o Concílio.

Partindo da constatação de que a nossa época não é uma época de mudanças, mas uma “mudança de época” (como afirma Francisco), Halík se propõe a ler nas mudanças atualmente em curso na vida da Igreja o rastro do desenvolvimento futuro e os novos compromissos da missão.

As mudanças atuais dão medo: as Igrejas que estão se esvaziando, a prática dos sacramentos que parece se apagar, os cristãos que abandonam, o desinteresse dos jovens e o desânimo dos educadores, as vocações aos ministérios ordenados e à vida consagrada que se tornam cada vez mais raras, a credibilidade pública da Igreja em declínio devido aos abusos e aos escândalos… são apenas sinais de uma crise e, ao mesmo tempo, de uma realidade nova que, nessa provação, vai ganhando forma na vida da Igreja.

Esses fenômenos não devem nos levar ao desânimo como se fossem sinais fúnebres. Na história de hoje, embora complexa, estão as sementes de um futuro que agora só podemos imaginar. Cabe a nós percebê-las e cultivá-las de forma positiva.

A jornada da Igreja

Não é minha intenção resumir aqui – e eu nem seria capaz disso – os muitos aspectos, termos e perspectivas que Halík aborda no livro, passando em revista as várias formas que a Igreja assumiu ao longo dos séculos. Quero apenas recolher aqui algumas observações e indicações concretas que emergiram da leitura para convidar quem quer compreender este nosso tempo a ler o livro inteiro. E vai perceber que vale a pena.

Acima de tudo, tenho que dizer uma palavra para explicar o título do livro, que certamente desperta curiosidade. O livro fala da mudança da fé e da religião ao longo de história bissecular da Igreja. Ele o faz distinguindo – o impulso vem da psicologia de C. Gustav Jung (cf. pp. 51–54) – três etapas na história do cristianismo: a primeira que ele chama de a manhã do cristianismo e é a era pré-moderna que corresponde ao tempo da chamada cristandade, quando a Igreja se estendia a tudo e a todos; a segunda etapa da história da Igreja, que ele chama de meio-dia, é caracterizada pela secularização progressiva, ou seja, pela emancipação das ciências e da política em relação à religião, essencialmente a era da modernidade; a terceira etapa é aquela que estamos vivendo, e que Halík chama de “tarde do cristianismo”, uma estação positiva (não nos esqueçamos de que, na linguagem bíblica, a festa começa na noite da véspera!) na qual o cristianismo está assumindo uma nova forma, aquela que nós podemos ver e que deixa muitas pessoas com muitas interrogações pesadas.

O tempo da cristandade já passou e acabou, está morto e sepultado, mesmo que existam cristãos, bispos, padres e fiéis que gostariam de ressuscitá-lo. A cristandade é sucedida pela modernidade, produto e fruto do Iluminismo europeu, um tempo de crise para a Igreja, em que a ciência e a política se emancipam progressivamente da tutela do magistério da Igreja, e os Estados modernos reivindicam sua autonomia.

Halík fala longamente e em detalhes sobre a “crise do meio-dia” no capítulo sexto do livro, significativamente intitulado “Escuridão ao meio-dia”. Nesse período, a religião e a fé sofrem um processo de secularização, enquanto o magistério da Igreja frequentemente se encontra em conflito com os poderes da ciência e da política. Essa etapa conclui-se idealmente com o Concílio Vaticano II, que – pelo menos nas intenções – reabre o diálogo com a ciência e com a política.

A crise: perigo e oportunidade

Nesse ponto, começa aquela que, para alguns, é uma nova crise, que é uma fase de transição e de amadurecimento, ao longo da qual a religião está mudando e assumindo formas novas, enquanto, para outros, está perdendo seus princípios.

Uma crise, portanto, mas que – como toda crise – envolve dois aspectos: perigo e oportunidade. Nessa etapa, vai desaparecendo um tipo de religião e de Igreja, enquanto está amadurecendo uma nova forma ou figura de Igreja, que ainda tem suas raízes na Escritura e na tradição, na espiritualidade e na missão, embora ainda esteja buscando a elaborando dia após dia os traços definitivos que só serão alcançados no último dia (natureza escatológica da Igreja).

Halík levanta a hipótese de que “a fé cristã alcançou a maturidade com a forma atual de religião e que as tentativas de empurrá-la para trás, para formas anteriores, são contraproducentes... O cristianismo como religio, encarnado na forma político-cultural da Cristandade, representa um passado concluído, e suas imitações nostálgicos levam apenas a caricaturas tradicionalistas. Nestes tempos em que mudam os paradigmas das civilizações, a fé cristã procura uma nova forma, uma nova morada, novos meios expressivos, novas tarefas sociais e culturais e novos aliados” (p. 62-63). Um caminho escatológico que, por sua própria natureza, ainda não terminou e só terminará quando “Deus for tudo em todos”, como escreve Paulo (1Cor 15,28).

O discurso de Halík atravessa todos os aspectos da religião e da cultura, da fé e da crença (doutrina), do religioso e do não religioso... também se torna complicado, mas vale a pena seguir o autor em suas argumentações, pois assim é possível descobrir que não estamos no fim, mas apenas em uma virada positiva do cristianismo, em que poderão ser recuperados – sem retrocessos inúteis e perigosos; pelo contrário, em sua plenitude – aqueles valores que outros acham que foram perdidos nesta passagem de época, para que a missão da Igreja se amplie e se aprofunde.

É nessa linha que se situa a reforma que o Papa Francisco laboriosamente está levando em frente, em particular o seu discurso sobre a sinodalidade, elemento constitutivo da Igreja que envolve a todos e a todas na missão em relação ao nosso mundo, uma reforma que visa a recuperar o rosto autêntico da Igreja em uma estrada que exclui um retorno para trás, mas oferece indicações para o futuro da vida da Igreja e também do mundo.

Novas perspectivas

Todos os 18 capítulos do livro são interessantes, nunca apenas teóricos ou “caídos de paraquedas”, pelo contrário, muitas vezes são deliberadamente provocativos, mas é perto do fim que o livro, quase como que para pagar sua dívida com a paciência do leitor, oferece algumas páginas que não deveriam ser lidas às pressas apenas para concluir o esforço. São páginas de uma clareza e uma perspectiva extraordinárias, que me abriram para a esperança e fazem do que desejemos fazer parte desse caminho.

Efeito de deformação profissional? Talvez, já que, em Burundi, eu lecionei eclesiologia durante anos (a eclesiologia do Vaticano II) a estudantes que, sempre que entravam na sala de aula, eu me perguntava se (e quanto) acompanhariam as minhas aulas de eclesiologia em francês.

Na minha opinião, os capítulos 15 (“A sociedade do caminho”) e 16 (“A sociedade da escuta e da compreensão”) são o ponto de chegada do livro de Halík e uma profissão de fé nesta Igreja de Jesus Cristo como ela está emergindo hoje.

Embora pareça justamente que a opinião pública – em geral – tem um olhar muito crítico e até sem esperança em relação à Igreja e à sua forma atual, Halík afirma que “a chave de todas as considerações sobre a Igreja é o paradoxo expressado por Paulo: ‘Nós temos este tesouro em vasos de barro’ (2Cor 4,7)”.

Depois de analisar muitos aspectos da crise contemporânea da Igreja, Halík identifica a “forma oculta à qual [a Igreja] foi chamada e que florescerá com base na nossa fé no fim dos tempos: aquele tesouro escondido em frágeis, empoeirados, lascados vasos do mesmo barro de que somos feitos, nós que formamos a Igreja” (p. 228).

O rio da fé saiu das margens do passado, e a Igreja perdeu seu monopólio; as instituições eclesiásticas não têm mais o poder de controlá-lo nem de discipliná-lo, mas “a Igreja, como sociedade dos fiéis, sociedade da memória, do anúncio e da celebração, no entanto, tem a missão permanente de servir a fé, e isso tanto com suas experiências históricas quanto com o poder do Espírito que habita e age também em vasos de barro” (ibid.).

Quatro conceitos eclesiológicos

Tomáš Halík vê na contemporaneidade quatro conceitos eclesiológicos aos quais é possível e necessário reconectar-se hoje, como bases sobre as quais é possível desenvolver a Igreja no futuro e para o futuro.

Eles devem ser mais aprofundados do ponto de vista teológico e inseridos na vida: a Igreja como povo de Deus peregrino na história, a Igreja como escola de sabedoria, a Igreja como hospital de campanha, a Igreja como lugar de encontro e de diálogo para o serviço de acompanhamento espiritual e de reconciliação.

- Acima de tudo, a Igreja como povo de Deus a caminho na história. É uma aquisição fundamental do Vaticano II, que conecta a Igreja de Jesus Cristo ao povo de Israel e a enraíza na história.

A Igreja, portanto, é um povo em movimento, lidando com as contínuas mudanças impostas pela história, um povo que é essencialmente escatológico, que só será plenamente uno, santo, católico e apostólico no fim de seu caminho, um povo no qual continuamente “se misturarão unidade e diversidade, univocidade e discórdia, santidade e pecado, universalidade católica e estreiteza e catolicismo culturalmente limitado, fidelidade à tradição apostólica e um labirinto de heresias e apostasias” (p. 232).

A história não é o céu, não é Deus, e nela não podemos evitar a tensão contínua entre o “já” e o “ainda não”.

A tradição eclesiástica distinguiu três tipos/situações da Igreja, a ecclesia militans, a poenitens e triumphans. Esquecer as diferenças escatológicas entre a Igreja terrena e a celeste já produziu no passado o triunfalismo e, hoje, uma nova forma patológica que o Papa Francisco não se cansa de denunciar e que chama com o termo de clericalismo.

- A Igreja como escola de vida e de sabedoria

Nos nossos países europeus, não domina mais a religião tradicional, nem mesmo o ateísmo, mas prevalecem o agnosticismo, o 'apateísmo' (indiferentismo) e o analfabetismo religioso. Com eles, embora numericamente menos importantes, estão o fanatismo religioso e o ateísmo dogmático que, em sua arrogância (“nós temos a verdade!”), não sentem mais a necessidade de buscar o Senhor.

A fé, ao contrário, é o caminho, o caminho da busca, enquanto o dogmatismo e o fundamentalismo, tanto religiosos quanto ateu, são becos sem saída, ou talvez uma prisão. Por isso, a Igreja, a sociedade cristã é chamada a se tornar uma escola, comunidade de vida, de oração e de ensino (como eram as antigas universitates medievais, nas quais vigora o princípio contemplata aliis tradere). Assim como nas antigas escolas, a disputatio é um elemento essencial, ou seja, a busca feita em conjunto, na qual se tenta chegar à verdade buscando juntos, em debates livres.

Para serem escolas de vida e de sabedoria, as comunidades cristãs deveriam, portanto, tornar-se lugares em que se procura unir a espiritualidade e a teologia, o diálogo e o cuidado espiritual. Assim deveriam ser as paróquias, os conventos, os movimentos.

A missão dos fiéis é redescobrir a presença de Deus nos movimentos da história “separando a fé do convencimento religioso, a esperança do otimismo e a caridade, da simples emoção. Educar para uma fé meditada e madura deve ter um aspecto não apenas intelectual e moral, mas também terapêutico: tal fé protege contra doenças infecciosas como a intolerância, o fundamentalismo e o fanatismo” (p. 234).

- O Papa Francisco gosta de usar a imagem da Igreja como “hospital de campanha”, uma imagem que deve nos acompanhar e inspirar nesta “tarde do cristianismo”.

A Igreja deve sair definitivamente do esplêndido isolamento que a caracterizou no tempo da cristandade e que tende a perpetuar ainda hoje. Ela deve entrar no mundo e se deixar encontrar nos lugares onde haja pessoas feridas física, social, psicológica e espiritualmente, para curá-las.

Existem feridas individuais e coletivas a serem curadas não apenas com as normas da moral, mas também com o potencial terapêutico da fé, com o evangelho da misericórdia, com a proximidade e a consolação.

Para diagnosticar as doenças, a Igreja se servirá da kairologia, a hermenêutica teológica dos fatos da história e da sociedade.

Além de fazer o diagnóstico das doenças do mundo, a Igreja deve tentar preveni-las o máximo possível, cuidando e limpando o terreno da sociedade, da família, da escola, do trabalho, ocupando-se da dignidade da pessoa humana, da justiça, da paz. A tarefa da Igreja hoje é empenhar-se na ecologia integral e na promoção da fraternidade e da amizade social (cf. encíclica Fratelli tutti).

- O quarto modelo da Igreja está conectado com a escola e com o hospital de campanha.

As estruturas atuais não são suficientes. A Igreja deverá multiplicar os centros espirituais, lugares de adoração e de contemplação, mas também de encontro e de diálogo, nos quais seja possível a todos os buscadores de Deus e da verdade (tanto religiosos quanto não religiosos, tanto cristãos quanto não cristãos) compartilhar sua experiência espiritual.

Hoje, muitos se preocupam com o progressivo desgaste da estrutura paroquial e gostariam de restaurá-la. Halík está convencido de que isso não adianta e não acha realista querer frear esse processo histórico, por exemplo importando padres do exterior; mesmo que um dia fossem ordenados viri probati ou mulheres, o processo de declínio das paróquias territoriais não pararia.

Escuta e diálogo devem ser oferecidos sobretudo aos chamados “nones”, pessoas que não pertencem a nenhuma categoria, não são ateus, não são crentes, mas estão em busca de um sentido/direção para suas vidas. Diante da crise da paróquia, não adianta e não funciona um projeto restaurador como o proposto por R. Dreher em “A opção beneditina, uma estratégia para cristãos no mundo pós-cristão” (Ed. Ecclesiae, 2021).

Uma Igreja que buscasse hoje um projeto de restauração correria o risco de se tornar uma seita tradicionalista. A proposta de “refugiar-se em um gueto, em um artificial parque arqueológico do passado diante da contínua necessidade de tomar decisões nas difíceis condições da liberdade e fugir da tarefa de viver na contemporaneidade é hoje uma sedução tentadora que aumenta a atratividade das seitas. A tempestade do medo ameaça a chama da fé, a coragem de buscar a Deus incessantemente de um modo novo e mais profundo” (p. 239).

A Igreja precisa de oásis de espiritualidade e de pessoas que consagrem sua vida aos seus cuidados, mas a Igreja não pode e não deve criar uma ilha de contracultura na sociedade.

Os discípulos de Jesus, antes de se chamarem cristãos, eram chamados de “o Caminho” (Atos 9,2). Hoje, a Igreja deve voltar a ser a “sociedade do Caminho”, deve desenvolver o caráter peregrino da fé para cruzar este novo limiar e acolher, escutar e compreender todas aquelas pessoas que procuram um sentido para sua existência: é isso que a preparação para o Sínodo de 2023-2024 está evidenciando (cf., por exemplo, o Documento sobre a etapa continental do Sínodo, n. 32-34, 38-40).

Comentário de Pietro, 14-03-2023

“A Igreja não pode e não deve criar uma ilha de contracultura na sociedade.” Frase-chave, na minha opinião. Esperemos que os novos antimodernistas entendam isso… A sensação é que o fato de ter confundido o “estar no mundo sem ser do mundo” com o “estar fora do mundo” é uma das causas da dificuldade que o ser humano moderno tem de se relacionar com a Igreja.

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DESMASCULINIZAR AS LIDERANÇAS DA IGREJA A MULHER PODER SER PADRE E PASTORA


Texto: Pe. Matias Soares na integra com referencias 

 "A diocesaneidade é a possibilidade que nos é oferecida, a partir da forma sinodal da Igreja, para que todos que somos vinculados a esta pela nossa fé e pelo nosso batismo, assumamos as nossas responsabilidades para o bem comum e a salvação de todos. Assim o seja!", escreve o Pe. Matias Soares, pároco de Santo Afonso M. de Ligório de Natal-RN.

Eis o artigo:

O termo que é usado nas construções teóricas da eclesiologia pós-conciliar quando pretende-se falar das 'adaptações' dos ensinamentos conciliares às variadas realidades eclesiais da catolicidade é: “recepção”. Na América Latina, por exemplo, as proposições do acontecimento foram acolhidas e implementadas pelas Conferências de Medellin (1968); Puebla (1979); Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007). Com a leitura dos teólogos que desenvolveram a reflexão no pós-concílio, também podemos constatar essa questão posta. Mesmo sendo o único dos Papas deste período sucessivo, que não participaram diretamente do Concílio, nem como padre conciliar, nem como perito, Francisco assume constantemente com sua prática pastoral e ensinamento magisterial as prerrogativas conciliares, tornando-as contemporâneas e inseridas no contexto de uma Igreja que está no terceiro milênio duma Era Pós-cristã (cf. C. Dotolo, Teologia e Postcristianesimo).

No documento que é proposto pelo pontífice como carta programática do seu estilo pastoral e administrativo, ele já afirma que há a necessidade de “conversão missionária de toda a Igreja (cf. EG, cap. I). Temos que ler e rezar este capítulo! No seu número vinte e cinco o pontífice afirma o seguinte: “Não ignoro que hoje os documentos não suscitam o mesmo interesse que noutras épocas, acabando rapidamente esquecidos. Apesar disso sublinho que, aquilo que pretendo deixar expresso aqui, possui um significado programático e tem consequências importantes. Espero que todas as comunidades se esforcem por atuar os meios necessários para avançar no caminho duma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão. Neste momento, não nos serve uma ‘simples administração’. Constituamo-nos em ‘estado permanente de missão’, em todas as regiões da terra”. Para Francisco o primado do ser missionário da Igreja contém suas preocupações administrativas, mesmo tendo presente que quando assumidas tendo por finalidade a promoção da ação evangelizadora, essas últimas são legítimas e podem ter um lugar necessário no melhor desempenho das práticas pastorais, quando as estruturas estão a serviço da missão da Igreja.

A temática sobre o significado da diocesaneidade não pode ser tratada a partir de chavões do tipo: “temos que fortalecer o sentimento de pertença!” Isso é fala vaga e vazia de argumentos mais consistentes. Infelizmente, é comum fazermos uso destas verborragias sem conteúdo em nossas reuniões de sacristias, por causa da lacuna existente em aprofundarmos as “hermenêuticas teológicas” da história e das realidades eclesiais. Nos falta um trabalho pastoral mais artesanal. Algo mais embasado numa ‘antropologia integral e integrante’. Com considerações que envolvam mente, mãos e coração. Por mais, que os paradigmas tecnocráticos sejam fascinantes para alguns, que são tragados pela cultura hipermoderna, temos que assumir mais conscientemente que o caminho da ação pastoral da Igreja foi, é, e será sempre a humanidade. É urgente vermos o rosto e sabermos os nomes das pessoas. Mesmo tendo tantas ‘informações midiáticas’ sobre a sinodalidade, ainda não acolhemos os métodos do sínodo propostos por Franscisco, que tem uma base teológica fantástica. Seria importante revisitarmos a teologia trinitária, principalmente a construção teórica feita a partir da “Pericorese”. Há muito tecnicismo e pouco discernimento, porque nos falta abertura à escuta do que o Outro fala e – Deus e o próximo - nos ensina para que possamos fazer a “leitura dos sinais de cada tempo” e, assim sendo, avancemos permanentemente para águas mais profundas (cf. Lc 5, 1-11).

Sem dúvida, pela sua incipiência, ainda não foi abordada a temática da diocesaneidade, a partir da ‘recepção’ da Praedicate Evangelium – Proclamai o Evangelho - (cf. Mc 16, 15; Mt 10, 7-8), que é uma Constituição Apostólica sobre a Cúria romana e o seu serviço à Igreja no mundo. Todos precisamos lê-la e adaptá-la as estruturas curiais das Igrejas Locais. Nela, o Papa afirma que “a Igreja cumpre o seu mandato, sobretudo quando testemunha, por palavras e por obras, a misericórdia que ela própria gratuitamente recebeu. (...) Assim fazendo, o povo de Deus cumpre o mandamento do Senhor, que, ao pedir para anunciarmos o Evangelho, instou-nos a cuidar dos irmãos e irmãs mais frágeis, doentes e atribulados” (cf. PE, 1). A Igreja, como está na imagem posta por Francisco deve ser um ‘hospital de campanha’. Essa metáfora é formidável num contexto histórico, que ainda usada antes da pandemia, ganhou profundo significado, já que as sequelas existenciais, estruturais, econômicas e sociais estão fervilhando a ordem sistêmica do contemporâneo. Há membros da Igreja que ainda estão a sonhar com um estilo eclesiástico da cristandade, no qual os elementos culturais tinham as marcas identitárias por aquilo que a Igreja definia como valor ideal e de processos de vida. Com as reviravoltas epistemológicas e, com estas, também das conjunturas sociais, portadas pela modernidade, a própria Igreja necessitou de assumir o propósito de estar em constante ‘reforma’, sem renunciar ao essencial que é a sua Tradição Viva (cf. 1 Cor 11, 23-26; 15, 3-8). Essa tradição “é um movimento de constante recontextualização e reinterpretação; estudar a tradição é procurar continuidade na descontinuidade, procurar identidade na pluralidade de fenômenos sempre novos que surgem no processo de desenvolvimento. Nesse processo de transmissão, a fé surge como um fenômeno dinâmico e mutável que não pode ser espremido nos limites de uma definição estreita” (cf. Tomás Halik. “O entardecer do cristianismo”, pág. 30-31). A vitalidade da Igreja sempre esteve sustentada nesse dinamismo testemunhal, com os elementos essenciais da existência das comunidades cristãs, que no tempo e no espaço, foram professando a mesma fé, tanto pessoalmente, como eclesialmente.

A construção da eclesiologia contemporânea sobre a diocesaneidade tem a ver, não só com a construção subjetivista do sentimento de pertença; mas, considerando a sua relação com a temática da sinodalidade, precisa assumir a ‘reforma das estruturas eclesiásticas’, tendo em vista a missão única e universal da Igreja que é a de Evangelizar (cf. EN, 14; EG, 19; PE, 2). Essa transformação das suas organizações e canais de gerenciamento exige um processo, que já no Concílio Vaticano II foi proposto e que gradativamente vem sendo assumido pelas urgências que são postas mais velozmente com a passagem da modernidade para a pós-modernidade. Na Praedicate Evangelium é acentuado com clarividência, e com reconhecimento histórico, por Francisco o seguinte: “É no contexto da missionariedade da Igreja que se insere também a reforma da Cúria Romana. Foi assim nos momentos em que se sentiu com maior urgência o anseio de reforma, como no século XVI, com a Constituição apostólica Immensa æterni Dei de Sisto V (1588), e no século XX, com a Constituição apostólica Sapienti Consilio de Pio X (1908). Celebrado o Concílio Vaticano IIPaulo VI, referindo-se explicitamente aos desejos expressos pelos Padres conciliares, organizou e implementou uma reforma da Cúria com a Constituição apostólica Regimini Ecclesiæ universæ (1967). Posteriormente João Paulo II, sempre com a finalidade de promover a comunhão no organismo inteiro da Igreja, promulgou a Constituição apostólica Pastor Bonus (1988). Em continuidade com estas duas reformas recentes e agradecendo o serviço generoso e competente que tantos membros da Cúria, no decurso do tempo, prestaram ao Romano Pontífice e à Igreja universal, esta nova Constituição apostólica pretende harmonizar melhor o exercício atual do serviço da Cúria com o caminho de evangelização que a Igreja está a viver, sobretudo nesta época” (cf. PE, 3). A leitura e atento estudo desta constituição, sem dúvida, pode ser uma referência magisterial para o aprofundamento do significado do reordenamento das estruturas eclesiásticas, tendo como maior e genuína preocupação a atividade da Igreja que é a de anunciar o Evangelho.

Diante do exposto, cabe a pergunta: As estruturas eclesiásticas das Igrejas Locais estão cumprindo seus objetivos? Elas existem e estão a serviço de todos, ou nelas existem mais burocracia e fofocas de corte do que vias que facilitam o processo missionário? Nelas estão os clérigos de “unhas sujas” – imagem usada por Francisco para se referir aos carreiristas e burocratas do sagrado – com suas ambições e perversões éticas? O seu modo de operar é lobista, autoritário e sem transparência de ações e projetos de poder? Há a consciência de que o que compete a todos, também precisa ser tratado por todos e depois assumido por todos? O estilo sinodal lançado por Francisco, com suas bases teológicas já no Concilio Vaticano II, vem colocar em discussão essas e tantas outras questões que precisam e precisarão de respostas do povo de Deus e para este, em sua catolicidade. Para que o processo de revitalização e aprimoramento da diocesaneidade seja levado a bom termo, as forças vivas – estruturas, pastorais, movimentos, ministros ordenados, sujeitos eclesiais – das Igrejas Particulares devem assumir propósitos, perspectivas e ações evangelizadoras bem direcionadas e visando um mesmo fim, que é o anúncio da pessoa de Jesus Cristo, com suas palavras e atitudes, buscando a concretização do Reino de Deus já, aqui e agora.

Com a proposta sinodal a diocesaneidade, vai ganhando força e envolvimento de todo o povo de Deus a condução das ações da Igreja para que ela possa ser sacramento universal de salvação para todo o gênero humano e realidade atenta aos problemas e sofrimentos dos que dela fazem parte no hoje da história, como também dos que não são inseridos, mas tanto quanto são filhos e filhas de Deus (cf. GS, 1). Tudo deve acontecer do universal ao particular, mas também do particular ao universal. Aqui, sem dúvida, alguns temas transversais deverão ser retomados e atualizados, a saber: A teologia sacramental, especialmente a da relação entre a da relação entre o sacramento do batismo e o da ordem, a Igreja universal e a Igreja Local, o ministério dos Bispos e o do Sucessor de Pedro, que assumindo a preocupação de João Paulo IIFrancisco afirma que é necessária também a “conversão do Papado etc.

Ainda, e já concluindo, cabe também instigar uma reflexão sobre a relação entre a importância da paroquialidade, neste desenrolar do fortalecimento da diocesaneidade. Mesmo que consideremos todos os outros meios e estruturas de canalização do Evangelho, continua a ser na paróquia o lugar da vivência da fé e experiência eclesial da maioria dos fiéis (cf. EG, 27-29). Francisco apresenta orientações importantíssimas para que nos sintamos ainda mais convictos destas prementes reorganizações para que o mistério da Igreja, como Corpo Místico de Cristo, seja acolhido na fé e permaneça testemunha no amor. Assim como as demais estruturas, ela também deverá assumir a mudança dos seus programas e práticas pastorais, considerando a mudança de época e época de mudança na qual todos estamos envolvidos. Na esperança de abrirmos caminhos de diálogo e enriquecimento das discussões eclesiológicas, nos conversamos que num mundo tão marcado por guerras e divisões, os mecanismos de comunhão, participação e missão, podem e devem ser valorizados por cada um de nós. A diocesaneidade é a possibilidade que nos é oferecida, a partir da forma sinodal da Igreja, para que todos que somos vinculados a esta pela nossa fé e pelo nosso batismo, assumamos as nossas responsabilidades para o bem comum e a salvação de todos. Assim o seja!

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Teologia Urbana. Artigo de Matias Soares

quinta-feira, 29 de maio de 2025

A IGREJA A NOIVA DE CRISTO A Igreja como mulher, a Igreja como esposa. "Desmasculinizem a Igreja”

        O papa envolveu seu Conselho de Cardeais em discussões sobre o papel das mulheres na Igreja, uma vez que a assembleia sinodal do próximo mês de outubro está preparada para analisar as diáconas.

A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada em La Croix International, 27-02-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Quando o Papa Francisco se encontrou com membros da Comissão Teológica Internacional em novembro passado, não perdeu tempo em dizer-lhes o que tinha em mente.

“Há algo que eu não gosto em vocês, desculpem a minha franqueza”, disse ele ao entrar no pequeno salão adjacente à Sala de Audiências Paulo VI. “Uma, duas, três, quatro mulheres – pobres mulheres! Elas estão sozinhas! Ah, desculpe, cinco”, disse o papa. “Neste ponto, devemos avançar! As mulheres têm uma capacidade de reflexão teológica diferente da dos homens”, insistiu Francisco, ao começar a falar aos teólogos.

Ele obviamente podia ver o olhar perplexo em seus rostos, então foi direto ao ponto. “Vocês vão se perguntar: aonde esse discurso leva? Não apenas a dizer que vocês precisam de mais mulheres aqui – isso é uma coisa – mas também a ajudá-los a refletir. A Igreja como mulher, a Igreja como esposa. E essa é uma tarefa que eu lhe peços, por favor. Desmasculinizem a Igreja”, disse o papa.

“Desconforto” das mulheres católicas

Com essa tarefa em mente, Francisco iniciou então a reflexão sobre o “caráter feminino” da Igreja, durante o encontro, uma semana depois (4 de dezembro), com seus nove conselheiros principais que compõem o Conselho de Cardeais. Ele até convidou três teólogas especializadas no papel das mulheres na Igreja para falarem ao C9, como é comumente chamado o conselho.

O papa apresentou dois conceitos que o falecido teólogo suíço Hans Urs von Balthasar (1905-1988) desenvolveu nos anos 1940 no centro das reflexões sobre as mulheres na Igreja: o princípio petrino e o princípio mariano. O primeiro, referente a São Pedro, o primeiro dos Apóstolos, está ligado aos ministérios da Igreja. O último está ligado à Virgem Maria.

“O papa queria que a questão fosse abordada sob várias perspectivas”, disse Linda Pocher, irmã salesiana e teóloga especializada no pensamento de Balthasar e uma das três estudiosas convidadas para falar no C9. “O princípio balthasariano pode ser um paradigma muito útil para pensar sobre a diferença entre o institucional e o espiritual. Mas também tem seus limites”, disse ela aos cardeais. “Não é realmente adequado para expressar a diferença entre homens e mulheres na Igreja.”

Luca Castiglioni, um padre e teólogo de Milão concorda. “Esse princípio não pode ser usado para separar hermeticamente homens e mulheres”, disse ele, enfatizando que a Igreja não pode ignorar o “desconforto” regularmente expressado pelas fiéis mulheres – “isto é, metade da população católica”. “Só sairemos desta situação se realmente levarmos em conta o ponto de vista de homens e mulheres para avançarmos”, disse Castiglioni.

Pocher disse que as reflexões, que os membros do C9 continuaram durante sua reunião no início de fevereiro, estão em linha com a reflexão que a assembleia do Sínodo sobre a Sinodalidade iniciou em relação ao diaconato feminino.

“No Conselho de Cardeais, a maioria dos membros entende a urgência de refletir sobre a questão do diaconato feminino, para ver se essa possibilidade deve ser aberta às mulheres, e de que forma”, disse a teóloga salesiana.

Uma bispa anglicana no Vaticano

Pocher também disse que essa é uma forma de se preparar para a próxima assembleia do Sínodo em outubro, onde o diaconato feminino será uma das questões principais. Devido a dessa proposta, ela convidou Jo Wells, uma bispa anglicana, para se dirigir ao papa e aos cardeais na sessão de fevereiro do C9Wells compartilhou sua experiência sobre a ordenação de mulheres – ao presbiterado e ao episcopado – na Igreja Anglicana.

“Quando eu vejo que a Igreja Católica só abriu recentemente os ministérios (de leitora e acólita) às mulheres, isso me faz retroceder décadas”, disse ela, antes de observar que está “acostumada a trabalhar em contextos onde as mulheres trabalham e assumem responsabilidades”.

Wells enfatizou particularmente a capacidade dos membros da Igreja Anglicana de “administrar suas divergências”. “Alguns na nossa Igreja não suportam a ordenação de mulheres. Temos medidas para preservá-las disso”, explicou ela. “Durante toda a reunião, o papa permaneceu em silêncio. Parece-me que ele queria encorajar os cardeais a falarem.”

Fonte: Loup Besmond de Senneville, publicada em La Croix International, 27-02-2024.

quarta-feira, 28 de maio de 2025

A VERDADE E ERRO DA TRADIÇÃO DO DOGMA

 COMO COMPREENDER A TEOLOGIA DE KARL RAHNER

Valdeci Fidelis D.Th

A primeira questão que se põe é quanto ao conteúdo da tradição, porque a fé cristã deve ser capaz de expressar o evento histórico (e salvífico) Jesus Cristo de modo tal que se torne acessível a todos os homens em todos os tempos de maneira inteligível. Foi esta questão que, no primeiro século, levou a Igreja primitiva em sua pregação apostólica a escrever os Evangelhos, o Novo Testamento. Aquele contexto diferencia o magistério hodierno da Igreja de sua função meramente ouvinte e serva da tradição dessa Igreja primitiva que foi inspirada por Deus ao lhe atribuir o dever das escrituras.

O espectro desse trabalho não permite relatar o progresso e o crescimento da noção católica de tradição, particularmente havidos entre os Concílios de Trento e o Vaticano II, o que não impede que se reconheça que, a partir do movimento da Reforma, a teologia católica tenha sido impelida a melhor justificar a sua Tradição[1].

Essa “justificação” passa pela observação de que com o decorrer do tempo as palavras podem perder ou ganhar sentidos, de acordo com a mudança do contexto[2]. Bastaria esse dado para que a literal repetição de doutrinas pelo magistério da Igreja não fosse suficiente para a explicitação de um fato pretérito. Eis aí o exemplo da Reforma. O ponto chave deste desafio é que a Igreja se ocupa com verdades de fé reveladas “por Deus para a nossa salvação” e a hierarquia da Igreja deve ter presente “o dever que tem de aprender a ouvir o Espírito de Deus e acatá-lo, reconhecendo o pluralismo legítimo na Igreja Católica”[3]. Eis aqui o preço da prudência humana na lentidão da contra-reforma.

2.2 – A tradição e a evolução do dogma

Passando do entendimento de tradição ao de evolução, no que respeita os dogmas de nossa fé, Rahner toma o exemplo paradigmático do dogma da Assunção de Maria aos céus. É na base do raciocínio de uma doutrina que nem sempre esteve presente, ou seja, nem sempre nos foi claramente explicitada, mas que se torna manifesta como obrigatória, que Rahner entende o termo “evolução”. Trata-se de algo que de alguma forma “chegou a ser” dentro da história do cristianismo, uma vez que, no começo da pregação do Evangelho, não existia tal como hoje[4].

Rahner admite um processo evolutivo espiritual, em que ele reconhece que há uma “unidade hierárquica”[5], na qual vigora a mesma lei de evolução que aplicamos aos demais seres vivos e, assim, busca diante da história que nos é reveladora do real o que, “sob a ação poderosa do Espírito, introduz o homem em toda verdade”, num processo que não é somente “único”, mas também constitui um “todo unitário”, que faz do cristianismo uma religião de fundo escatológico, que tem as vistas voltadas para o futuro[6].

Ao mesmo tempo em que para o homem moderno o futuro “já” começou, o cristão assevera que tal futuro “ainda” não chegou, “porque se a plenitude terrena é uma plenitude finita, na verdade não pode ser uma plenitude absoluta”[7]. Por isso a história em que se desvela a evolução do dogma é a história da progressiva manifestação do mistério que chega ao conhecimento do homem paulatinamente, independentemente de uma grande reflexão teológica, pelo poder do Espírito Santo.

Há certas leis da evolução do dogma que podem ser conhecidas a priori, considerando que essa evolução culmina como uma apelação à Igreja, como a última instância de julgamento dessa lei apriorística. Daí a permanente tensão gerada pelo perigo que se constitui em espremer esse “conhecimento” a partir do homem, ao invés de confiá-lo à “promessa do Espírito, e somente a Ele, que vela a fim de que esse perigo, sempre possível, não termine se convertendo em realidade”[8].

Rahner diz que podemos seguir princípios a serem respeitados num conhecimento dessa natureza. Um princípio é que se trata de “coisa óbvia”, posto que a verdade revelada é sempre a mesma. Expressa algo que a Igreja se apossa como parte da revelação a ela confiada, como objeto de sua fé incondicional, posse essa que se dá para sempre e em definitivo. Esse princípio limita o conteúdo do dogma porque exclui reflexos de objetivações de sentimentos, atitudes e mentalidades mutáveis e que se prendem a uma determinada época histórica e não a outra. O risco que existe em o homem adotar essas proposições que são frutos de uma época é o de incidir num erro que o desvie da verdade. Rahner vai chamar esse risco de que se possa adotar proposições que não sejam “adequadamente verdadeiras, de proposições “meio falsas” por não expressarem a realidade em questão e por suprimirem a diferença absoluta existente entre a “verdade e o erro”.

É difícil ao homem determinar o limite entre a proposição inadequada e falsa. Contudo, devemos considerar o fato de as nossas proposições sobre a realidade infinita de Deus serem sempre limitadas. Nesse sentido, as fórmulas com que expressamos a fé podem ser superadas, mantendo-se verdadeiras, ou seja, podemos substituí-las por outra que diga o mesmo e acrescente mais alguma coisa, que ainda assim diga “o mesmo”, porém com um novo matiz, desde que articulada ao novo conhecimento no sistema de coisas que já se sabe, já se sente e já se faz na experiência histórica e total de nossa vida, o que é o sentido que todo ser humano tem de tradição.

2.3 – A evolução do dogma e a realidade da palavra

Até aqui tratamos de exprimir a mesma realidade, de outra maneira, o que não implica no conceito que temos de progresso, ou como o diz Rahner: no aumento simultâneo de um “plus” quantitativo de conhecimento.

É a Igreja trazendo no tempo a mudança do que permanece o mesmo, não significando que tal mudança seja abandono da perspectiva anterior, o que é típico das coisas materiais, mas não das coisas espirituais[9].

Por isso, o mistério da Trindade divina, nas expressões de fé dos Concílios de Nicéia e de Florença, não se pode tomar como ensaios teológicos, porque tais expressões não admitem contradição entre si. Para o homem em particular, há uma diferença entre uma proposição anterior e outra posterior, o que de fato existe, no que chamamos de evolução do dogma, como comprova o modo efetivo de agir da Igreja na pregação de sua doutrina.

É nesse sentido que revelação é fruto de um diálogo histórico entre Deus e o homem. E a comunicação da Igreja refere-se a este acontecer, ao diálogo que se encaminha a um ponto final, no qual o acontecer e, em conseqüência, a sua comunicação, chega ao seu ponto máximo e, com ele, à sua conclusão[10].

Daí o núcleo central do cristianismo que afirma a revelação como acontecimento salvífico, acontecimento que implica uma comunicação de verdades que, na história da salvação, alcançou em Cristo seu ponto máximo, incapaz de ser superado. Por isso o alerta de Rahner de que o cristianismo não é uma fase da história universal substituível por outro “éon” intramundano, porque todos os tempos surgem e desaparecem, passam a uma distância infinita da eternidade autêntica que permanece no mais além. Tudo o que nasce já traz a morte em si: culturas, povos, reinos, sistemas culturais, políticos, econômicos[11].

Antes de Cristo, o mesmo agir no mundo do Deus que se revelara, estava “aberto”. Este agir criava tempos, planos sucessivos de salvação, todavia não se sabia como Deus responderia definitivamente ao homem, se sua última palavra seria de ira ou de amor. Agora está dada a realidade definitiva que não pode ser superada e nem substituída; o inextinguível e irrevogável presente de Deus no mundo como salvação, como amor e perdão, como comunicação ao mundo dá mais íntima realidade divina e de sua vida trinitária: Jesus Cristo.

Com isso a revelação está “encerrada” por estar “aberta” à plenitude de Deus, que se encontra “ocultamente presente em Cristo”. A clausura da revelação, assim o diz Rahner, não é uma expressão negativa, mas positiva, posto que é puro “sim”, é a conclusão que inclui tudo e nada exclui da plenitude compreensiva.

Unida no “éon” de Jesus Cristo a palavra se une ao que já está presente na mensagem e a Igreja crente possui o que crê: Cristo, seu Espírito, o penhor da vida, o vigor da eternidade, realidade esta que não pode ser apreendida “extra muros” da palavra.

Isso nos leva a unir de modo indivisível a palavra e a realidade mesma: uma na outra, nenhuma sem a outra. A luz do Espírito e da fé se faz valer no próprio resultado, que é a nossa realidade[12].

De outro modo, é importante dizer que a luz da fé e o impulso do Espírito não se deixam objetivar de per si num olhar separado do objeto da fé, por que o objeto da fé não é mero objeto passivo, mas é o princípio mediante o qual o mesmo Espírito é captado como objeto.

Daí ser possível explicar a evolução do dogma realmente acontecida e legítima, afastando o perigo de rebaixar ao nível de nossas pobres operações mentais, meramente humanas, à realidade superior e mais ampla do conhecimento da fé na dependência do inferior e secundário, na dependência da teologia científica, que também é um elemento interno do conhecimento da fé, mas de maneira alguma sua essência adequada

Seguindo Rahner, existe uma evolução do dogma, que tem que existir e acontecer num “contato vivo com a realidade revelada”. Entre uma expressão desse conhecimento e outra expressão desse mesmo conhecimento que é dado da realidade, há a possibilidade de uma elaboração lógica mais rigorosa, ou seja: a realidade contida nesses conhecimentos (conhecimento fundante e o conhecimento fundado) está relacionada entre eles, supondo-se que “o conhecimento que evoluiu” seja uma autêntica verdade dogmática, sob a garantia do magistério de que a nova proposição reproduz exatamente o sentido da antiga, ou seja, o mesmo que a proposição original, que diz também o que Deus revelou.

Conclusão

Assim é que se crê devido ao testemunho do próprio Espírito de Deus, com fé divina. Isto é dogma e não apenas teologia. Com isso não se elimina uma evolução teológica, mas se afirma que existe uma evolução dogmática própria que não é resultado de um conhecimento novo, dedutivo, mas que parte de várias proposições de fé presentes do conhecimento “revelado” por Deus do sentido rigoroso da “fé divina”.

Rahner recorda que quando um homem fala, jamais alcança plenamente as conseqüências reais que se deduzem necessariamente de suas palavras. “Nós falamos sempre “por cima de nossa própria cabeça”. Tudo o que propriamente dizemos não é a expressão plena do que realmente queremos dizer”. Mas, o grande alerta do autor é que quando Deus fala, não sucede o mesmo. Por isso Deus mesmo diz o que só na história viva do que foi dito se desvela como dito, ou seja, não é o que Deus pronunciou em seu sentido proposicional imediato, mas o que “comunicou” e, por isso, pode ser crido como saber Seu.

Nessa linha, pode-se afirmar que somente é inspirado aquilo que o autor humano quis dizer, o que implica que podem ter sido comunicadas mais coisas, mesmo tendo-se Deus como autor literário da Escritura. Podemos estar diante de outros mensageiros, como os profetas, como portadores originários e não literários da revelação – que encontram nos apóstolos sua expressão inspirada na comunicação de uma mensagem de que não são os autores. Transmitem, assim, os apóstolos, uma mensagem não própria, mas simplesmente a mensagem de Deus. Por isso, sua comunicação pode superar o que eles souberam explicitamente dizer a respeito da mesma mensagem.

Rahner imagina o saber consciente pleno da fé dos apóstolos e da comunidade primitiva, sem cair num anacronismo a-histórico. Diz que é pouco o que se poderia saber a respeito, o que na ocasião não era entendido e nem o poderia ser, mas também diz que se sabia “tudo” porque se apreendera vitalmente a realidade total da ação salvadora de Deus e nela se vivia espiritualmente. A herança que os apóstolos transmitem não são proposições, mas seu espírito, o Espírito Santo de Deus, a realidade verdadeira do que eles experimentaram em Cristo e por isso chamamos de perfectiva, já que nos reorienta sempre no caminho que volta ao Senhor.

Essa successio apostolica, no sentido pleno e total da palavra transmite à Igreja pós-apostólica, precisamente no que se refere ao conhecimento da fé, não só um conjunto de proposições, mas a experiência viva: o Espírito Santo, o Senhor sempre presente na Igreja, com a vitalidade da verdade sem duplicidade[14].

Portanto, para Rahner, podemos nos dedicar à investigação e reflexão teológica, com relação à Assunção, sem que o resultado redunde em mera teologia, porque o magistério da Igreja dispõe de um critério superior ao do teólogo isolado. A Igreja possui o órgão para perceber o que aparece como resultado do trabalho teológico, que é mais do que mero resultado do trabalho mental humano, porque é a própria palavra de Deus, envolta noutra forma, numa nova articulação e explicação. É o magistério, assistido pelo Espírito, que tem dupla função: garantir como verdadeiro o resultado do trabalho teológico, inclusive quando tal trabalho não seja provável, podendo, ainda, garantir que o resultado não é somente verdadeiro, mas também Palavra de Deus.

Nesse sentido ele acresce que os “novos dogmas marianos hão de ser vistos no conjunto da compreensão cristã da fé”. Isto vale dizer que apenas se tomarmos por substância do cristianismo o que Rahner chama de encarnação do próprio Logos eterno em nossa carne que, partindo desta fé e de acordo com o testemunho escriturístico, deve-se dizer que

Maria não representa apenas episódio individual em uma biografia de Jesus Cristo, episódio carente de interesse teológico, mas que ela, nesta história da salvação, é realidade histórico-salvífica explícita. Se lermos Mateus, Lucas e João e se rezamos o símbolo apostólico, onde professamos a fé em Jesus, o Logos divino, que nasceu da Virgem Maria, com isso estamos a dizer – ainda que em fórmula muito simples – que Maria foi a mãe de Jesus não só em sentido biológico, mas como alguém que assume função bem determinada, e até mesmo única, nessa história da salvação oficial e pública. No símbolo apostólico, Maria ocupa lugar que nem sequer Lutero lhe contestou, embora ele tenha acreditado encontrar no culto mariano daquela época medieval tardia tendências que ameaçavam ou negavam o sola gratia[15]

Por isso, Rahner resume a essência de seu pensamento asseverando que:

No dogma não se diz mais nada do que isso: Maria é a redimida de maneira radical. Partindo-se daí, torna-se, na verdade, coisa muito óbvia o conceito básico, segundo o qual Maria – como quem em sua maternidade pessoal e não apenas biológica, acolheu na fé a salvação do mundo – constitui também o caso mais alto e mais radical de realização da salvação, de fruto da salvação, da concepção da salvação. Tanto na cristandade oriental como na ocidental isso foi algo tido como sumamente óbvio, ainda que nem sempre se tenha apresentado neste grau de reflexão explícita. E, a partir daí, é relativamente fácil compreender o que queremos dizer, quando falamos de “imaculada conceição” e “assunção aos céus”, sem que se tornem dogmas que fossem de modo adventício acrescentados à substância real última do cristianismo. 

PAG FONTE 115




segunda-feira, 12 de maio de 2025

DIA DAS MÃES PROVERBIOS 31:10

DIA DAS MÃES - 11/05/25 - EXPLANANDO PROVÉRBIO 31:1-31

O dia das "Mães Virtuosas" ganham presentes que são generosidades dos filhos!!!

Provérbios 31:10-31 não contém nomes de mulheres no sentido de somente elogiá-las ou mostrar algo mais importante na sua natureza feminina, como mostrar ou identificar pessoas específicas, como diz o Provérbio no verso 10. Em vez disso, essa passagem bíblica descreve as características de uma mulher virtuosa e exemplar.

Vivemos em um teatro de conveniências, onde verdades simples são maquiadas para proteger sensibilidades frágeis, eles colocam as mulheres neste patamar. A coragem de apontar que a humanidade se perdeu em sua própria arrogância intelectual é escassa, não protegendo as mulheres, como sábias, os provérbios no plural da palavra, tudo são atribuído a Salomão rei filho de Davi. Afinal, quantos conseguem aceitar que somos apenas um sopro insignificante no vasto cosmos? A história do Homo sapiens, narrada com orgulho em nossos livros, é também um conto de tragédias impulsionadas por uma sede insaciável de controle e poder, mostrando apenas alguns pontos, como este que vamos ler neste texto biblico e filosófico.

A interpretação mais comum é que essa descrição não se refere a uma mulher histórica em particular, mas sim a um ideal de sabedoria, diligência, cuidado com a família e temor ao Senhor. Alguns pontos importantes para entender essa passagem: Prestar atenção que é um poema Acróstico: O texto original em hebraico é um poema acróstico, onde cada verso começa com uma letra do alfabeto hebraico em ordem sequencial apartir do verso dez.

O que resta quando tiramos as ilusões? Talvez apenas a realidade nua de que nossa evolução é uma corrida suicida contra os limites do planeta que esgotamos. A vida não espera, e a verdade é que cada dia que passa sem mudança é um dia perdido. Mas aqui está o segredo: tudo começa na sua mente.

O que te prende hoje não é a falta de tempo, dinheiro ou oportunidade. É a forma como você pensa. Se enganar é o maior obstáculo. Quanto mais você justifica, posterga ou finge que está tudo bem, mais difícil fica sair do lugar. Primeiro passo para mudar sua vida é ser brutalmente honesto consigo mesmo, enxergue as coisas como realmente são sem desculpas.

Em vez de estar a procura de uma mulher perfeita como essa palavra exorta, questione suas crenças limitantes, examine a si mesmo, e reconheça a igualdade entre homem e mulher, a virtude que existem em você e a virtude que ela tem, porque somos todos preciosos para o Senhor; pare de esperar condições perfeitas, a mudança começa agora.

            Voltamos a estrutura do Provérbio, devemos prestar muita atenção para não interpretar como esploradora da beleza e da fidelidade para ser sua servidora, ela tem diante do Senhor os mesmo atributos que o Espiritos Santo distribui a todos nós.

Explanar essa estrutura sugere que o objetivo era criar uma descrição abrangente e completa das qualidades desejáveis em uma mulher com máximo e grande Ideal de Sabedoria: Alguns estudiosos também interpretam a "mulher virtuosa" como uma personificação da Sabedoria divina, um tema recorrente no livro de Provérbios (especialmente nos capítulos iniciais). Qualidades e atributos, a passagem detalha diversas qualidades e atividades dessa mulher, como ser confiável, trabalhadora, boa administradora do lar, generosa, sábia em suas palavras, forte, digna de respeito e temente a Deus, já pensamos que as "Mães São" as mais sábias próximas de nós, ainda que estejamos longe elas tocam os nossos corações.

O modelo para homens e mulheres; embora descreva atributos tradicionalmente associados às mulheres, quanto a essência da "mulher virtuosa" (caráter íntegro, diligência, sabedoria) pode servir de modelo para homens e mulheres em seus respectivos papéis. Isso não quer delegar uma lista de exigências que tem que ser exata e exegida a elas: É importante não interpretar essa passagem como uma lista de exigências perfeitas que todas as mulheres devem cumprir para serem consideradas virtuosas. Em vez disso, ela apresenta um ideal inspirador de caráter e conduta.

Em resumo, Provérbios 31:10-31 não nomeia mulheres específicas, mas oferece uma rica descrição das qualidades de uma mulher virtuosa, servindo como um ideal de sabedoria, diligência e temor a Deus para todos.

Leia mais e reflita sobre os Provérbios 31:1-31, Palavras do SENHOR.

Pense Nisso