BÍBLIA EXPOSITIVA
Calvino cria que, quando a Bíblia era aberta e explicada de forma correta e coerente, a soberania de Deus era manifestada para a congregação imediatamente. Como erudito e conhecedor dos idiomas originais, quando pregava no Antigo Testamento, o texto era traduzido diretamente do hebraico. Quando pregava sobre o Novo Testamento, pregava diretamente no grego original. Em suas pregações, sempre tinha à sua frente um Antigo Testamento hebraico ou um Novo Testamento grego e, geralmente, não usava quaisquer anotações em seus sermões (LOPES, 2008, p. 50). Suas pregações eram repletas de conteúdo bíblico. Muito embora tivesse obtido uma formação humanística, Calvino rejeitou toda teologia de cunho natural e especulativa, optando pelas Escrituras como o caminho mais seguro para o conhecimento de Deus (MATOS, 2008, p. 156). Sua preocupação era levar as pessoas a uma adoração apropriada de Deus, pois, para tanto, não existe outro meio a não ser as Escrituras. Sobre este fato MACGRATH (2007) comenta dizendo:
“É precisamente porque Calvino atribui uma importância suprema à adoração apropriada de Deus, à medida que este revelou a si mesmo em Jesus Cristo, que ele considera tão importante reverenciar e interpretar, corretamente, o único meio através do qual se pode obter o pleno e definitivo acesso a esse Deus, as Escrituras” (MACGRATH, 2007, p. 157).
Citando Parker, LOPES (2008) considera a pregação de Calvino dizendo:
“Domingo após domingo, dia após dia, Calvino subia as escadas do púlpito. Ali ele guiava pacientemente a congregação, versículo por versículo, livro após livro da Bíblia. O que o levava a pregar e a pregar como fazia? O impulso ou compulsão de pregar era teológico. Calvino pregava porque cria. Pregava como fazia por acreditar no que fazia” (LOPES, 2008, p. 50).
O grande reformador de Genebra tinha plena consciência de que a autoridade de sua pregação não se encontrava nele mesmo. Ele disse: “quando subimos ao púlpito, não levamos conosco nossos sonhos e nossas fantasias”. Ele sabia que assim que os homens se afastam da Palavra de Deus, ainda que seja em pequena proporção, eles pregam nada mais que falsidades, vaidades, mentiras e enganos. É tarefa do expositor bíblico, dizia ele, fazer com que a suprema autoridade da Palavra divina influencie seus ouvintes (LAWSON, 2008, p. 35). Para Calvino, a primeira marca de uma igreja verdadeira é a pregação fiel da Palavra de Deus. Sobre este fato STOTT (2003) comenta:
“Enquanto Calvino escrevia suas Institutas na paz comparativa de Genebra, ele, também, exaltava a Palavra de Deus. Em especial, enfatizava que a primeira marca, a principal, de uma igreja verdadeira, era a pregação fiel da Palavra. Sempre onde vemos a Palavra de Deus pregada e ouvida com pureza, escreveu ele, e os sacramentos administrados segundo a instituição de Cristo, ali, não se pode duvidar, existe uma igreja de Deus” (STOTT, 2003, p. 26).
Como ministro titular em Genebra, Calvino pregava duas vezes aos domingos e todos os demais dias da semana em semanas alternadas, de 1549 até sua morte em 1564. Calcula-se que tenha pregado mais de dois mil sermões somente no Antigo Testamento. Passou um ano fazendo a exposição de Jó e três anos em Isaías (LOPES, 2008, p. 52). Sob a administração de Calvino, Genebra alcançou crescimento espiritual, moral e material. LAWSON (2008) cita James Montgomery Boyce que afirmou o seguinte sobre Calvino e sua obra em Genebra:
“Calvino não tinha outra arma senão a Bíblia... Ele pregava a Bíblia todos os dias, e, sob o poder desta pregação, a cidade começou a ser transformada. Conforme o povo de Genebra adquiria conhecimento da Palavra de Deus e era transformado por ela, a cidade tornou-se, como John Knox chamou-a mais tarde, uma Nova Jerusalém, de onde o evangelho espalhou-se para o resto da Europa, para a Inglaterra, e para o Novo Mundo” (LAWSON, 2008, p. 15).
As pregações de João Calvino eram consideradas amplas e minuciosas acerca das Escrituras. Este era o sentimento presente na pregação de Calvino. Do começo ao fim, era Soli Deo Gloria: Somente para a honra e majestade de Deus (LAWSON, 2008, p. 79). Seu ministério teve ampla influência na cidade de Genebra como em todo mundo da Época. De todas as partes chegavam estudantes para estudar e serem treinados para o sagrado ministério aos pés de João Calvino. Sobre este fato GONZÁLEZ (2011) registra:
“Naquela academia, a juventude genebrina se formou segundo os princípios calvinistas. Porém, seu principal impacto se deve a que pessoas procedentes de vários outros países cursaram nela estudos superiores. Depois elas levaram o calvinismo a seus países” (GONZÁLEZ, 2011, p. 69).
Do começo ao fim de seu ministério, Calvino manteve sua pregação singularmente focalizada na explicação do significado planejado por Deus para o texto bíblico. Como Parker escreveu: “A pregação expositiva consiste na explanação e aplicação de uma passagem das Escrituras. Sem explanação ela não é expositiva; sem aplicação ela não é pregação” (LAWSON, 2008, p. 79). Calvino se dedicou com rigor a esta tarefa. Beza afirmou sobre a pregação de Calvino que “Cada palavra pesava uma libra”. Calvino exerceu influência em vários de seus contemporâneos, dentre os quais Henry Bullinger (1504-1575) e o reformador John Knox (1513-1572), (LOPES, 2008, p. 52). Anos depois, Charles Haddon Spurgeon expressou as seguintes palavras a respeito de João Calvino: “Nenhum outro homem pôde expressar, conhecer e explicar as Escrituras de forma mais clara do que a forma como Calvino o fez” (LAWSON, 2008, p. 119).
4.3. A exposição bíblica de Calvino à era moderna
A história da Igreja está repleta de exemplos de bons pregadores, como os já citados João Crisóstomo, Agostinho e os resultados gloriosos que a pregação expositiva proporcionou à igreja de Cristo. Onde a Palavra foi pregada com fidelidade a igreja experimentou resultados satisfatórios. Com a Reforma Protestante, com a volta às Escrituras, a igreja se reergueu das cinzas do descrédito e multidões foram transformadas pelo poder da Palavra de Deus. Martinho Lutero e João Calvino foram expositores fiéis da Palavra de Deus.
Os puritanos são herdeiros leais do movimento reformado. Viveram em uma época de perseguição e martírio. Criam na soberania de Deus, na supremacia das Escrituras e na importância da pregação expositiva. Colocavam o púlpito no centro do templo, mostrando a centralidade e primazia da pregação. Pregavam com ardor e sentido de urgência. Richard Baxter, o mais conhecido de todos os expoentes puritanos, certa vez disse: “Preguei como se tivesse certeza de que nunca mais pregaria. Preguei como um homem prestes a morrer, para pessoas que estão mortas em seus pecados” (MOHLER, 2009, p. 143). O objetivo do puritano era tornar seus ouvintes melhores cristãos, pois, consideravam o evangelho o remédio para a alma (LOPES, 2008, p. 58).
O século XVIII também foi beneficiado através do ministério de vários pregadores de grande destaque. Na Inglaterra, John Wesley e George Whitefield foram os nomes mais famosos na área da pregação. Ambos foram missionários na América, na Nova Inglaterra. Da mesma forma, Howell Harris e William Williams, no País de Gales, destacaram-se como pregadores e poderosos reavivalistas. Na América do Norte, Jonathan Edwards destacou-se como a maior figura do puritanismo. David Vaughan, falando sobre a espiritualidade de Edwards afirma:
“A espiritualidade de Edwards apresentava-se não só numa profunda humildade, mas também numa profunda santidade. Todos que o conheciam ficavam impressionados com sua integridade, honestidade, imparcialidade e modéstia; tudo isso estava arraigado na conformidade de sua alma à vontade de Deus” (LAWSON, 2010, p. 77).
O século XIX, por sua vez, experimentou uma série de grandes despertamentos na Inglaterra, no País de Gales, Escócia e América do Norte. No entanto, a igreja sofreu grande perseguição ideológica. Nacionalismo, evolucionismo e liberalismo teológico produziram grande devastação na igreja. O iluminismo, com seu ponto de vista centrado no homem, considerou a razão humana o juiz supremo de tudo, rejeitou os milagres, a revelação e as doutrinas sobrenaturais, como a encarnação e a redenção (LOPES, 2008, p. 60-61).
O século XX, também produziu grandes expositores das Escrituras. E ainda assim, alguns deles foram e continuam sendo grandes pregadores da Palavra de Deus. Marcado por grande entusiasmo, com o avanço da ciência, a humanidade no auge das conquistas e muitas nações se orgulhando de sua prosperidade, o humanismo em ascendência colaborou para que no mínimo duas guerras demonstrassem a brutalidade de seres sem o temor de Deus. Ainda assim, a Palavra de Deus, que é infalível, continuou produzindo transformação. Dietrich Bonhoeffer (1906-1945) que foi capturado pelos nazistas em abril de 1943, passou dois anos na prisão e foi enforcado em abril de 1945 (BROWN, 2007, p. 171). Ele ressaltava de forma tão veemente a importância da pregação ao ponto de dizer:
“O mundo existe com todas as suas palavras por causa da palavra proclamada, no sermão, lança-se o fundamento para um novo mundo. Nele a palavra original torna-se audível. Não é possível fugir nem se afastar da palavra dita no sermão; nada nos livra da necessidade desse testemunho, nem sequer o culto ou a liturgia. O pregador deve estar seguro de que Cristo entra na congregação mediante essas palavras da Escritura por ele proclamadas” (LOPES, 2008, p. 64).
O Dr. Martyn Lloyd-Jones (1899-1981) foi o sucessor de George Campbell Morgan (1863-1945), na Capela de Westminster em Londres. Lloyd-Jones deu grande importância a pregação expositiva. Dizia: “Qual é a principal finalidade da pregação? Gosto de pensar que é esta: dar a homens e mulheres o senso de Deus e de sua presença” (JONES, 1976, p. 95).
Muitos outros pregadores influenciaram e ainda influenciam a exposição bíblica no século XX, dentre os quais John Stott, W. A. Criswell, John MacCarthur, Ray Stedman, John Piper e outros. A história da igreja está repleta de bons pregadores, que através da exposição puramente bíblica, conduziram o corpo de Cristo ao genuíno crescimento. A Reforma Protestante, a volta às Escrituras, proporcionou grande despertamento e inúmeras vidas foram transformadas pelo poder de Deus mediante a exposição bíblica. Da mesma forma, os puritanos alcançaram grande êxito fazendo uso do mesmo estilo de pregação. Portanto, este capítulo afirma que a exposição puramente bíblica foi a causa do triunfo do cristianismo e do crescimento da igreja. De modo que, afirma-se que a exposição bíblica, muito embora não seja o único fator, sem ela, é impossível estabelecer uma igreja forte e saudável. João Calvino dizia: “Deus cria e multiplica sua igreja somente por meio de sua Palavra. É só pela pregação da graça de Deus que a igreja escapa de perecer” (LAWSON, 2008, p. 43).
5. A exposição bíblica e a igreja contemporânea
A confissão de Fé de Westminster (2001) declara:
“Ainda que a luz da natureza e as obras da criação e da providência manifestam de tal modo a bondade, a sabedoria e o poder de Deus, que os homens ficam inescusáveis, todavia não são suficientes para dar aquele conhecimento de Deus e de sua vontade, necessário à salvação; por isso foi o Senhor servido, em diversos tempos e diferentes modos, revelar-se e declarar à sua igreja aquela sua vontade; e depois, para melhor preservação e propagação da verdade, para o mais seguro estabelecimento e conforto da Igreja contra a corrupção da carne e malícia de Satanás e do mundo, foi igualmente servido fazê-la escrever toda. Isso torna a Escritura Sagrada indispensável, tendo cessado aqueles antigos modos de Deus revelar a sua vontade ao seu povo” (WESTMINSTER, 2001, p. 15).
Da mesma sorte, a Confissão de Fé Congregacional (2015), declara o seguinte a respeito da Palavra de Deus:
“Por esta fé, o cristão crê ser verdadeiro tudo quanto está revelado na Palavra, pois a autoridade do próprio Deus fala em Sua Palavra; e age de conformidade com o que cada trecho específico da mesma contém, obedecendo aos mandamentos, tremendo ante suas ameaças, e abraçando as promessas de Deus para esta vida e a vida por vir” (CONGREGACIONAL, 2015, p. 69).
A supremacia da Palavra de Deus e a primazia da pregação pura são elementos indispensáveis em relação ao crescimento saudável da igreja de Cristo. Não existe outro meio pelo qual se possa proclamar as verdades contidas nas Escrituras, a não ser através da verdadeira pregação. DEVER (2007) salienta: “A primeira marca de uma igreja saudável é a pregação expositiva. Não é somente a primeira marca; é a mais importante de todas as marcas, porque, se você desenvolvê-la corretamente, todas as outras a seguirão” (DEVER, 2007, p. 40).
A Bíblia é a regra suprema de doutrina e de vida, de fé e prática (2 Tm 3.16,17). A Bíblia não é somente poderosa, ela é inigualável. CHAPELL (2007), trabalha cinco princípios pelos quais podemos perceber o poder transformador da Palavra de Deus:
“Cria: “Disse Deus; Haja luz; e houve luz” (Gn 1.3). “pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou e tudo passou a existir” (Sl 33.9).
Controla: “Ele envia as suas ordens à terra, e sua palavra corre velozmente; dá a neve como lã e espalha a geada como cinza. Ele arroja o seu gelo em migalhas... manda sua palavra e o derrete” (Sl 147. 15-18).
Persuade: “... mas aquele em quem está a minha palavra fale a minha palavra com verdade (...) diz o Senhor. Não é a minha palavra fogo, diz o Senhor, e martelo que esmiúça a penha?” (Jr 23.28,29).
Cumpre seus propósitos: “ Porque, assim como descem a chuva e a neve dos céus e para lá não tornam, sem que reguem a terra... assim também será a palavra que sair da minha boca; não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a designei” (Is 55.10,11).
Anula os motivos humanos: Na prisão, o apóstolo Paulo se regozijava, porque quando outros pregavam a palavra, “... quer por pretexto, quer por verdade”, a obra de Deus seguia adiante (Fp 1.18)” (CHAPELL, 2007, p. 18-19).
O apóstolo Paulo escreveu: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção, para a educação na justiça” (2Tm 3.16). Não são as novidades do mercado da fé que irão fazer da igreja uma entidade pura e imaculada, mas as finas iguarias encontradas na Palavra de Deus. A respeito da importância e centralidade das Escrituras na vida da igreja, LOPES (2008) afirma:
“A Bíblia é a escola do Espírito Santo em que o homem aprende tudo que é necessário e prático para ter uma vida abundante. É o livro por excelência, inspirado por Deus, escrito por homens, concebido no céu, nascido na terra, odiado pelo inferno, pregado pela igreja, perseguido pelo mundo e crido pelos eleitos de Deus” (LOPES, 2008, p. 72).
A igreja contemporânea precisa desesperadamente de uma volta completa às Escrituras, pois somente a Bíblia que é a Palavra de Deus triunfou diante de todas as adversidades impostas pelo inimigo da noiva de Cristo. O profeta Isaías disse: “seca-se a erva, e cai a sua flor, mas a palavra de nosso Deus permanece eternamente” (Is 40.8). Da mesma forma, o Senhor Jesus Cristo afirma: “passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não
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