A TEOLOGIA DA UNÇÃO E O COMBATE À FEITIÇARIA GOSPEL
Embora à primeira vista pareça um assunto simples de ser entendido, este
é um tema que gera muita polêmica. Por exemplo, os protestantes “históricos”
tendem a rejeitar o uso do óleo de unção na atualidade, enquanto os
“pentecostais” defendem com convicção esse ato. Portanto, iremos aqui procurar
entender o que as Escrituras realmente dizem sobre isso, independentemente do
que as diferentes denominações evangélicas defendem.
O óleo, na bíblia, segundo alguns, simboliza o Espírito Santo, assim
como o fogo, a pomba, entre outros. Porém, nela, não há uma afirmação explícita
quanto a isso. Portanto, quando se fala em unção com óleo, pode ser que se
pretenda produzir uma simbolização do Espírito Santo atingindo alguém.
Há inúmeras referências nas Escrituras sobre esse tipo de unção, tanto
no Velho, quanto no Novo Testamento. Para facilitar, separaremos em dois
blocos:
1 - Velho Testamento: O óleo representava a consagração/separação a Deus
de pessoas ou objetos.
- Êxodo 30:26-29; 40:9-11 e Levítico 8:10 = Havia o azeite da santa
unção, que era usado para ungir objetos (tendas, utensílios diversos, altar,
tenda), com o intuito de santificá-los (separá-los, consagrá-los) a Deus.
A partir daí, tudo o que tocasse esses objetos tornar-se-ia santo.
- Êxodo 30:30 e Levítico 8:12 = Uso do azeite para ungir
pessoas, com o intuito de santificá-los como sacerdotes.
- I Samuel 10:1; 16:13; I Reis 1:39 = Uso de azeite para ungir reis
(pessoas).
- I Reis 19:16 = Unção de profetas (pessoas).
2 - Novo Testamento: O óleo tinha diferentes simbolismos e/ou utilidade.
- Marcos 6:13 = Discípulos usando óleo para ungir os doentes.
- Tiago 5:14 = Recomendação de Paulo para que presbíteros usassem
azeite para ungir doentes. Essa unção é o ponto de maior discórdia atualmente,
pois alguns defendem que era a unção tradicional (como o uso de um pouco de
óleo sobre a cabeça), enquanto outros alegam que era o uso medicinal do azeite.
Discutiremos isso um pouco à frente.
- Marcos 14:8 e Lucas 23:56 = Mulheres realizando unção em Jesus
(como parte de um processo de “embalsamento” para a sepultura).
- Lucas 7:38 e 7:46 = Uma mulher, pecadora, demonstrando sincera
alegria, unge os pés de Jesus, como gesto de “boas vindas” (era costume na
época).
Atualmente observamos muito misticismo, magia e superstição quando o
assunto é óleo de unção. O que seria uma simbolização ou um uso medicinal (é
discutível e veremos logo em seguida) tornou-se uma espécie de “macumba
cristã”, em que o óleo é tido como detentor de um poder sobrenatural.
Como era de se esperar, muitas seitas defensoras da teologia da
prosperidade até comercializam supostos óleos milagrosos, que seriam capazes de
curar, expulsar demônios, trazer riquezas e a paz. Ou seja, o poder não está
mais na Palavra e no sangue de Jesus e sim, engarrafado nas mãos de falsos
profetas.
Nos tempos bíblicos existiam vários tipos de óleos e várias aplicações.
Por exemplo:
- Azeite de oliva = simbolizava vida útil, saudável e
alegre. (Salmo 92:10)
- Óleo medicinal = era muito usado na medicina judaica antiga,
seja puro ou misturado com ervas. O incenso e a mirra eram muito
utilizados. (Isaías 1:6; Lucas 10:34)
- Unguento = Incenso, mirra ou azeite de oliva associado a
perfumes. Era muito usado até mesmo pelos pobres (embora fosse uma substância
de alto valor) quando recebiam uma visita em casa, como sinal de
boas-vindas.(Lucas 7:46)
- Unguento fúnebre = na cultura da época, fazia parte do
processo de preparo para o sepultamento. (Mateus 26:12; Lucas 23:55,56)
A aplicação era feita na cabeça, na face, nos pés ou sobre as lesões de
pele. Devemos salientar que os principais líderes da Reforma Protestante não
aprovavam a continuidade da unção com óleo, porém, posteriormente, outros
líderes foram adotando esta prática, como podemos ver no predomínio desta
aplicação entre pentecostais e neopentecostais.
Analisando Tiago 5:14 :
Primeiramente devemos observar que o contexto desse versículo nos traz
um ensino sobre o poder e a importância da oração. A unção foi um “detalhe”
colocado no assunto do texto. Tanto é que há os dizeres: “a oração da fé
salvará o doente”. Ou seja, o resultado virá da oração e não, da unção.
Porém a dúvida persiste. Seria essa unção a aplicação de um medicamento
da época (que era usado para uma infinidade de problemas de saúde) no doente ou
seria um ritual que simbolizaria a ação do Espírito Santo? Não podemos cravar
uma resposta, mas tudo leva a crer que tanto essa unção quanto aquela citada
por Jesus em Marcos 6:13 se referiam não a essa aplicação de óleo com
finalidade espiritual e sim, como medicação para cura do enfermo. Era como se o
presbítero chegasse, desse o remédio que fizesse parte do tratamento médico e
em seguida fizesse uma oração para que Deus atuasse no processo de cura do
doente. Chegamos a essa conclusão quando olhamos para o termo grego que foi
traduzido por “unção”. Em grego, a palavra é “aleipho”, que significa
“passar gordura, óleo ou unguento” ou ainda: “passar perfume ou substância
aromática”. Ou seja, esse termo tem um significado cotidiano, referindo-se a um
processo muito usado na época para aplicar óleos. Se essa unção tivesse um
sentido espiritual, como para representar a ação divina, o termo usado
provavelmente seria “christos”, que significa: “conceder autoridade por
meio de unção”.
Há, porém, aqueles que discordam dessa visão e insistem que o óleo usado
era sim uma unção na cabeça da pessoa e que foi uma recomendação apostólica e
de Cristo. Porém, mesmo para este grupo, que fique claro: essa unção seria para
o doente e não, para a doença. Portanto, jamais deve ser feito o que muitos
realizam, que é ungir a barriga, quando a pessoa tem um problema no estômago ou
até mesmo o cúmulo de ungir a genitália de pessoas com problemas reprodutivos.
Isso é um fetichismo ridículo (ou até mesmo um assédio sexual), uma idolatria,
uma superstição e um paganismo sem tamanho, que deve ser combatido por qualquer
pessoa, independentemente do que pensar sobre a unção.
- A extrema unção (católica) é válida?
O catolicismo defende a necessidade de “preparar a alma para a morte”,
quando a pessoa tem uma doença grave e está prestes a falecer. Justificam essa
visão distorcendo o texto de Tiago 5:14,15. Alegam que os apóstolos
já faziam isso, pois interpretam que essa unção seria para a morte. Porém, essa
visão é desmentida quando se confronta o Evangelho como um todo com essa
distorção. Além disso, podemos descartar essa ideia quando observarmos a história,
pois a unção para sepultamento era apenas uma das possibilidades de uso do
óleo. A maioria das aplicações não era para morte e sim, para vida. Tanto é que
Jesus disse para os apóstolos orarem para os doentes e ungi-los. Seria um
preparo para a morte dessas pessoas? Obviamente não. Portanto, a extrema unção
não tem nenhum respaldo no Evangelho.
– O óleo tem ou não tem poder?
De forma alguma! No Novo Testamento Jesus curava a todo momento, os
discípulos e apóstolos também e quantas vezes o óleo foi citado? São raras as
referências de orações por doentes acompanhada de uso de óleo. A cura se dá
pelo poder da Palavra e não, pelo azeite.
O Espírito Santo também não precisa de óleo para alcançar uma pessoa
(leia e comprove: Atos 8:17; I João 2:20,27). Em Tiago
5:14,15 lemos que é a oração da fé que salvará o doente e não o óleo em
si.
Se alguém tentar expulsar demônios com óleo, é mais fácil o demônio
fritar um ovo do que sair do indivíduo. Jesus ensinou a expulsarmos demônios no
nome dEle (Marcos 16:17) e não com rituais ou amuletos.
Portanto, se o óleo não carrega nenhuma magia e poder, não faz o mínimo
sentido o comércio que alguns líderes religiosos, ou melhor, falsos profetas
fazem com o mesmo. Dizem que é óleo de Israel, azeite da Oliveira X e coisas
semelhantes. Se o óleo é de soja, de milho, de granola ou de peixe não faz a
mínima diferença, a menos que você esteja preparando um belo prato para o
almoço.
No Antigo Testamento observamos que objetos eram ungidos com óleo para
que fossem santificados ao Senhor. E sabemos que os rituais da Velha Aliança
tinham uma simbolização e tudo era sombra do que havia de acontecer, ou seja,
tudo apontava e representava Jesus Cristo. No Novo Testamento aprendemos que
Deus não habita em templos (e objetos) feitos por homens (Atos 7:48),
logo, não há sentido em ungir casas, templos, instrumentos musicais, móveis,
veículos, fotos ou utensílios domésticos. Jesus ensinou que quando chegássemos
em uma casa, deveríamos saudá-la, dizendo: “Paz seja nesta
casa” (Lucas 10:5). Ele não mandou ungi-la. Temos aí mais um exemplo do
poder da Palavra e não de uma substância.
Deus habita em pessoas, em vidas, ou seja, em nós, que somos o templo de
Deus (I Coríntios 3:16). Sendo assim, deve-se ungir uma pessoa?
Enquanto no Velho Testamento pessoas eram “separadas” por unção, no Novo
Testamento ocorre imposição de mãos (Atos 6:6, I Timóteo 4:14).
Nós devemos viver segundo o Evangelho de Cristo, que nos mostra apenas 3
formas de unção: para sepultamento, como forma de hospedagem e para aplicação
nos enfermos. Nos dois primeiros casos não é necessário nem detalhes, pois
qualquer livro sobre cultura judaica deixa evidente que esses usos eram uma
tradição entre eles, fazendo parte daquela cultura. Portanto, resta-nos apenas
a última forma: unção para os doentes.
Conclusão
Não podemos confundir “recomendação” com “ordenança”. O uso de óleo,
seja para unção como ritual ou para uso medicinal foi uma recomendação de
Cristo e de Paulo. Se interpretarmos essa unção como uso medicinal do óleo, não
há a mínima necessidade do seu uso atualmente, pois a medicina evoluiu muito, a
ponto de existirem medicamentos eficazes para boa parte das doenças; se
interpretarmos como uma forma de simbolismo do derramamento do Espírito Santo
sobre a pessoa (alguns tem essa interpretação devido a Zacarias 4:1-14),
só terá valor se quem unge e quem é ungido tiverem plena consciência desse
simbolismo. Vimos que o Novo Testamento não dá suporte para unção de objetos e
apenas cita a unção de pessoas. E mais: não era qualquer pessoa e sim, as
enfermas! Temos que ter prudência, pois uma pessoa pode pedir a unção com óleo
porque ficou assistindo esses programas de TV que anunciam um antievangelho.
Para esses, o óleo é uma substância mágica, cheia de poderes, que pode mudar a
vida da pessoa que for ungida. Assim, o indivíduo desinformado que assiste pode
cair nesse paganismo, desejar para si esse tipo de “macumba gospel” e perder a
consciência e a fé no poder da Palavra de Deus.
Quando olhamos para o Evangelho, observamos que essa questão de unção
com óleo não tem nenhum poder de salvação, portanto, não será esse tipo de
discordância teológica (quanto à possibilidade ou não de utilizar esse tipo de
“procedimento” na atualidade) que determinará a salvação ou condenação de
alguém. O que temos são apenas evidências que nos levam a entender que isso não
é mais necessário. Porém, desde que não estejamos defendendo uma visão por
comodidade ou por outros interesses pessoais, isso não influenciará a nossa
vida cristã. Portanto, busque servir a Deus com sinceridade, buscando sempre
seguir o Evangelho puro e simples. Jamais acredite que uma substância ou um
objeto possa ter algum poder. Não troque o poder da Palavra e do sangue de
Cristo por um frasco de óleo oferecido por um líder religioso. E lembre-se:
Deus é Deus, com ou sem azeite.
Postado por Pr.
Reinaldo Ribeiro às 11:23
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