53- Os primeiros juízes
Este capítulo é baseado em Juízes 6-8; 10. Depois de seu estabelecimento em Canaã, nenhum esforço vigoroso fizeram as tribos para completar a conquista da terra. Satisfeitas com o território já ganho, seu zelo se debilitou logo, e a guerra interrompeu-se. “Quando Israel cobrou mais forças, fez dos cananeus tributários; porém não os expeliu de todo”. Juízes 1:28. O Senhor havia cumprido fielmente, de Sua parte, as promessas feitas a Israel; Josué quebrara o poder dos cananeus, e distribuíra a terra às tribos. Apenas lhes restava, confiando na certeza do auxílio divino, completar a obra de desapossar os habitantes da terra. Mas isto eles deixaram de fazer. Entrando em aliança com os cananeus, transgrediram diretamente a ordem de Deus, e assim deixaram de cumprir a condição sob a qual Ele prometera colocá-los de posse de Canaã. Desde a primeira comunicação da parte de Deus a eles no Sinai, haviam sido advertidos contra a idolatria. Imediatamente depois da proclamação da lei, foi-lhes enviada esta mensagem por intermédio de Moisés, concernente às nações de Canaã: “Não te inclinarás diante dos seus deuses, nem os servirás, nem farás conforme às suas obras; antes os destruirás totalmente, e quebrarás de todo as suas estátuas. E servireis ao Senhor vosso Deus, e Ele abençoará o vosso pão e a vossa água; e Eu tirarei do meio de ti as enfermidades”. Êxodo 23:24, 25. Deu-se-lhes a certeza de que enquanto permanecessem obedientes, Deus subjugaria seus inimigos diante deles: “Enviarei o Meu terror diante de ti, desconcertando a todo o povo aonde entrares, e farei que todos os teus inimigos te virem as costas. Também enviarei vespões diante de ti, que lancem fora os heveus, os cananeus, os heteus, diante de ti. Num só ano os não lançarei fora diante de ti para que a terra se não torne em deserto, e as feras do campo se não multipliquem contra ti. Pouco a pouco os lançarei de diante de ti, até que sejas multiplicado, e possuas a terra por herança. [...] Darei nas tuas mãos os moradores da terra, para que os lances fora de diante de ti. Não farás concerto algum com eles, ou com os seus deuses. Na tua terra não habitarão, para que não te façam pecar contra Mim; se servires aos seus deuses, certamente será um laço para ti”. Êxodo 23:27-33. Estas instruções foram reiteradas da maneira mais solene por Moisés, antes de sua morte, e foram repetidas por Josué. Deus colocara Seu povo em Canaã como poderoso parapeito, para deter a onda do mal moral, a fim de que este não inundasse o mundo. Sendo fiel a Ele, era o intuito de Deus que Israel prosseguisse de vitória em vitória. Ele daria em suas mãos nações maiores e mais poderosas do que os cananeus. A promessa era: “Se diligentemente guardardes todos estes mandamentos que vos ordeno [...] também o Senhor de diante de vós lançará fora todas as nações, e possuireis nações maiores e mais poderosas do que vós. Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé será vosso; desde o deserto, e desde o Líbano, desde o rio, o rio Eufrates, até o mar ocidental, será o vosso termo. Ninguém subsistirá diante de vós; o Senhor vosso Deus porá sobre toda a terra que pisardes o vosso terror e o vosso temor, como já vos tem dito”. Deuteronômio 11:22-25. Mas, sem consideração para com seu alto destino, preferiram o caminho da comodidade e da condescendência própria; deixaram escapar sua oportunidade para completarem a conquista da terra; e por muitas gerações foram afligidos pelos remanescentes desses povos idólatras, que, conforme predissera o profeta, eram como “espinhos nos vossos olhos”, e como “aguilhões nas vossas ilhargas”. Números 33:55. Os israelitas “se misturaram com as nações, e aprenderam as suas obras”. Ligaram-se matrimonialmente com os cananeus, e a idolatria espalhou-se como uma praga por toda a terra. “Serviram os seus ídolos, que vieram a ser-lhes um laço. Demais disso, sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. [...] E a terra foi manchada com sangue.” “Pelo que se acendeu a ira do Senhor contra Seu povo, de modo que abominou a Sua herança”. Salmos 106:34, 38, 40. Antes que se extinguisse a geração que recebera instruções de Josué, a idolatria fez pequeno avanço; mas os pais haviam preparado o caminho para a apostasia de seus filhos. O desacato às restrições do Senhor por parte daqueles que entraram na posse de Canaã, disseminou sementes de males, as quais continuaram a produzir amargos frutos por muitas gerações. Os hábitos simples dos hebreus lhes haviam assegurado saúde física; mas a associação com os gentios determinou a condescendência com o apetite e paixão, o que diminuiu gradualmente a força física e enfraqueceu as capacidades mentais e morais. Pelos seus pecados os israelitas foram separados de Deus; Sua força foi removida deles, e não mais podiam prevalecer contra seus inimigos. Assim foram levados sob a sujeição das mesmas nações que por intermédio de Deus haviam subjugado. “Deixaram ao Senhor Deus de seus pais, que os tirara da terra do Egito” (Juízes 2:12), “e os guiou pelo deserto como a um rebanho”. Salmos 78:52. “Pois Lhe provocaram a ira com os seus altos, e despertaram-Lhe o zelo com as suas imagens de escultura”. Salmos 78:58. Portanto o Senhor “desamparou o tabernáculo em Siló, a tenda que estabelecera como Sua morada entre os homens. E deu a Sua força em cativeiro; e a Sua glória à mão do inimigo”. Salmos 78:60, 61. Todavia Ele não desamparou completamente o Seu povo. Houve sempre uns remanescentes que eram fiéis a Jeová; e de tempos em tempos o Senhor suscitava homens fiéis e valentes para derribar a idolatria e livrar os israelitas de seus inimigos. Mas quando morria o libertador, e o povo ficava livre de sua autoridade, voltavam gradualmente aos seus ídolos. E assim a história de apostasias e castigos, de confissão e livramento, repetia-se reiteradas vezes. O rei da Mesopotâmia, o rei de Moabe, e depois destes os filisteus e os cananeus de Hazor, guiados por Sísera, tornaram-se por seu turno os opressores de Israel. Otniel, Sangar, Eúde, Débora e Baraque foram levantados como libertadores de seu povo. Mas, de novo, “os filhos de Israel fizeram o que parecia mal aos olhos do Senhor, e o Senhor os deu na mão dos midianitas”. Até ali a mão do opressor não havia caído senão levemente sobre as tribos que moravam ao este do Jordão; mas na presente calamidade foram os primeiros a sofrer. Os amalequitas ao sul de Canaã, bem como os midianitas na sua fronteira oriental e nos desertos além, eram ainda os implacáveis inimigos de Israel. Esta última nação havia sido quase destruída pelos israelitas nos dias de Moisés; mas desde então aumentaram grandemente, e se tornaram numerosos e poderosos. Tinham tido sede de vingança; e agora que a mão protetora de Deus se retirara de Israel, chegara a oportunidade. Não somente as tribos ao este do Jordão, mas todo o país sofreu com suas devastações. Os habitantes selvagens e cruéis do deserto, numerosos “como gafanhotos” (Juízes 6:5), vinham como enxame sobre a terra, com seus rebanhos e gado. Como uma praga devoradora, espalhavam-se pelo país, desde o rio Jordão até à planície filisteia. Vinham logo que as searas começavam a amadurecer e ficavam até que os últimos frutos da terra fossem colhidos. Despojavam os campos de seus produtos, e roubavam e maltratavam os habitantes; e então voltavam aos desertos. Assim os israelitas que moravam em território aberto eram obrigados a abandonar suas casas, e a congregar-se nas cidades muradas, a fim de procurar refúgio nas fortalezas, e mesmo a encontrar abrigo nas cavernas e no recesso das rochas, entre as montanhas. Por sete anos continuou esta opressão, e então, como o povo em sua angústia atendesse à reprovação do Senhor, e confessasse seus pecados, Deus levantou de novo um auxiliador para eles. Gideão era filho de Joás, da tribo de Manassés. A divisão a que esta família pertencia não mantinha posição de destaque, mas a casa de Joás distinguia-se pela coragem e integridade. Quanto a seus valorosos filhos é dito: “Cada um ao parecer, como filhos de um rei”. Juízes 8:18. Todos, com exceção de um, haviam tombado nas lutas contra os midianitas, e ele fizera com que seu nome fosse temido pelos invasores. A Gideão veio o chamado divino para libertar seu povo. Estava ocupado na ocasião a trilhar o trigo. Uma pequena quantidade deste cereal fora escondida, e, não ousando ele batê-lo na eira comum, recorrera a um local próximo do lagar; pois, estando ainda longe o tempo do amadurecimento das uvas, pouca observação se dava agora às vinhas. Enquanto Gideão trabalhava em segredo e silêncio, meditava com tristeza na condição de Israel, e considerava como o jugo do opressor poderia ser quebrado de seu povo. Subitamente o “Anjo do Senhor” apareceu, e a ele Se dirigiu com estas palavras: “O Senhor é contigo, varão valoroso.” “Ai, Senhor meu”, foi a resposta, “se o Senhor é conosco, por que tudo isto nos sobreveio? e que é feito de todas as Suas maravilhas que nossos pais nos contaram, dizendo: Não nos fez o Senhor subir do Egito? Porém agora o Senhor nos desamparou, e nos deu na mão dos midianitas.” O mensageiro do Céu replicou: “Vai nesta tua força, e livrarás Israel da mão dos midianitas; porventura não te enviei Eu?” Gideão desejou algum sinal de que Aquele que agora Se lhe dirigia era o Anjo do Concerto, que, nos tempos passados, havia agido em prol de Israel. Anjos de Deus, que tiveram comunhão com Abraão, demoraram-se certa vez em sua casa a fim de participar de sua hospitalidade; e Gideão agora roga ao Mensageiro divino que fique como o seu hóspede. Indo apressadamente à sua tenda, preparou de seu escasso suprimento um cabrito e bolos asmos, que trouxe e pôs diante dEle. Mas o Anjo ordenou-lhe: “Toma a carne e os bolos asmos, e põe-os sobre esta penha e verte o caldo.” Assim fez Gideão, e então foi dado o sinal que ele desejara: com o cajado que tinha na mão o Anjo tocou a carne e os bolos asmos, e uma chama que irrompeu da pedra consumiu o sacrifício. Então o Anjo desapareceu de sua vista. O pai de Gideão, Joás, que partilhava da apostasia de seus patrícios, construíra em Ofra, onde morava, um grande altar a Baal, junto ao qual o povo da cidade adorava. Foi ordenado a Gideão destruir este altar, e erguer um altar a Jeová, sobre a rocha em que a oferta fora consumida, e ali apresentar um sacrifício ao Senhor. A oferta de sacrifício a Deus fora confiada aos sacerdotes, e se restringira ao altar em Siló; mas Aquele que estabelecera o culto ritual e para quem todas as ofertas daquele culto apontavam, tinha poder para mudar as estipulações do mesmo. O livramento de Israel deveria ser precedido por um protesto solene contra o culto de Baal. Gideão devia declarar guerra contra a idolatria, antes de sair para batalhar com os inimigos de seu povo. A determinação divina foi fielmente posta em prática. Sabendo Gideão que encontraria oposição se aquilo fosse tentado abertamente, levou a efeito o trabalho em segredo; com auxílio de seus servos, fez tudo em uma noite. Grande foi a raiva dos homens de Ofra ao virem eles, na manhã seguinte, a prestar suas devoções a Baal. Teriam tirado a vida de Gideão, caso não houvesse Joás (a quem havia sido referida a visita do Anjo) tomado a defesa de seu filho. “Contendereis vós por Baal?” disse Joás. “Livrá-lo-eis vós? Qualquer que por ele contender ainda esta manhã será morto; se é deus, por si mesmo contenda; pois derribaram o seu altar.” Se Baal não podia defender seu próprio altar, como se poderia confiar que ele protegesse seus adoradores? Todos os pensamentos de violência para com Gideão se dissiparam; e, quando ele fez soar a trombeta de guerra, os homens de Ofra acharam-se entre os primeiros a reunir-se sob sua bandeira. Arautos foram expedidos à sua própria tribo de Manassés e também para Aser, Zebulom e Naftali, e todos corresponderam ao chamado. Gideão não ousou colocar-se à frente do exército sem ainda novas provas de que Deus o chamara para este trabalho, e de que seria com ele. Ele orou: “Se hás de livrar a Israel por minha mão, como tens dito, eis que eu porei um velo de lã na eira; se o orvalho estiver somente no velo, e secura sobre toda a terra, então conhecerei que hás de livrar a Israel por minha mão como tens dito.” Pela manhã, o velo estava úmido, enquanto a terra estava seca. Mas então surgiu uma dúvida, visto que a lã naturalmente absorve a umidade quando há alguma no ar; a prova não poderia ser decisiva. Daí o pedir ele que o sinal fosse invertido, rogando que sua extrema precaução não desagradasse ao Senhor. Seu pedido foi satisfeito. Assim encorajado, Gideão guiou suas forças a dar combate aos invasores. “Todos os midianitas e amalequitas, e os filhos do oriente se ajuntaram num corpo, e passaram, e puseram o seu campo no vale de Jezreel.” A força total sob o comando de Gideão contava apenas trinta e dois mil homens; mas, com o vasto exército dos inimigos estendendo-se diante dele, veio-lhe a palavra do Senhor: “Muito é o povo que está contigo, para Eu dar aos midianitas em sua mão; a fim de que Israel se não glorie contra Mim, dizendo: A minha mão me livrou. Agora pois apregoa aos ouvidos do povo, dizendo: Quem for covarde e medroso, volte, e vá-se apressadamente das montanhas de Gileade.” Aqueles que não estavam dispostos a enfrentar perigos e dificuldades, ou cujos interesses mundanos atraíam da obra de Deus seu coração, não acrescentariam força aos exércitos de Israel. Sua presença mostrar-se-ia apenas uma causa de fraqueza. Estabelecera-se como lei de Israel que, antes de irem à guerra, se fizesse a seguinte proclamação em todo o exército: “Qual é o homem que edificou casa nova e ainda a não consagrou? vá, e torne-se à sua casa, para que porventura não morra na peleja e algum outro a consagre. E qual é o homem que plantou uma vinha e ainda não logrou fruto dela? vá, e torne-se à sua casa, para que porventura não morra na peleja e algum outro o logre. E qual é o homem que está desposado com alguma mulher e ainda a não recebeu? vá, e torne-se à sua casa, para que porventura não morra na peleja e algum outro homem a receba.” E os oficiais deviam falar ainda ao povo, dizendo: “Qual é o homem medroso, e de coração tímido? vá, e torne-se à sua casa, para que o coração de seus irmãos se não derreta como o seu coração”. Deuteronômio 20:5-8. Pelo fato de seu exército ser tão pequeno em comparação com o do inimigo, Gideão se abstivera de fazer a proclamação usual. Ficou surpreso com a declaração de que seu exército era por demais grande. Mas o Senhor via o orgulho e a incredulidade que existiam no coração de Seu povo. Despertos pelos apelos estimulantes de Gideão, alistaram-se com prontidão; mas muitos ficaram cheios de medo quando viram as multidões dos midianitas. Entretanto, caso houvesse Israel triunfado, esses mesmos teriam tomado a glória para si próprios, em vez de atribuírem a vitória a Deus. Gideão obedeceu à determinação do Senhor, e com coração pesaroso viu vinte e dois mil, ou mais de dois terços de sua força total, partirem para casa. De novo veio a ele a palavra do Senhor: “Ainda muito povo há; faze-os descer às águas, e ali tos provarei; e será que, aquele de que Eu te disser: Este irá contigo, esse contigo irá; porém todo aquele, de que Eu te disser: Esse não irá contigo, esse não irá.” O povo foi levado ao lado da água, na expectativa de fazer um avanço imediato ao inimigo. Alguns apressadamente tomaram um pouco de água na mão e a beberam enquanto andavam; mas quase todos se curvaram sobre os joelhos e comodamente beberam da superfície da corrente. Os que tomaram água com as mãos foram apenas trezentos dentre os dez mil; todavia estes foram escolhidos; a todo o resto foi permitido voltar para casa. O caráter muitas vezes é provado pelo meio mais simples. Aqueles que em tempo de perigo estavam preocupados com suprir suas necessidades, não eram os homens em quem se poderia confiar em uma emergência. O Senhor não tem lugar em Sua obra para os indolentes e condescendentes consigo mesmos. Os homens de Sua escolha foram os poucos que não permitiram que suas necessidades os detivessem no desempenho do dever. Os trezentos homens escolhidos não somente possuíam coragem e domínio próprio, mas eram homens de fé. Não se haviam contaminado com a idolatria. Deus os poderia dirigir, e por meio deles operar o livramento para Israel. O êxito não depende do número. Deus pode livrar tanto com poucos como com muitos. Ele é honrado nem tanto pelo grande número como pelo caráter daqueles que O servem. Os israelitas estavam estacionados no cume de uma colina sobranceira ao vale em que se acampavam as hostes dos invasores. “E os midianitas, e amalequitas, e todos os filhos do oriente jaziam no vale como gafanhotos em multidão; e eram inumeráveis os seus camelos, como a areia que há na praia do mar em multidão”. Juízes 7:12. Gideão tremeu ao pensar no conflito do dia seguinte. Mas o Senhor falou-lhe à noite, e ordenou-lhe que, juntamente com Pura, seu auxiliar, descesse ao acampamento dos midianitas, dando a entender que ali ele ouviria algo para a sua animação. Ele foi, e esperando nas trevas e silêncio, ouviu um soldado relatar um sonho a seu companheiro: “Eis que um pão de cevada torrado rodava pelo arraial dos midianitas, e chegava até às tendas, e as feriu, e caíram, e as transtornou de cima para baixo; e ficaram abatidas.” O outro respondeu com palavras que agitaram o coração do ouvinte invisível: “Não é isto outra coisa, senão a espada de Gideão, filho de Joás, varão israelita. Deus tem dado na sua mão aos midianitas, e a todo este arraial.” Gideão reconheceu a voz de Deus falando-lhe por meio desses estrangeiros midianitas. Voltando aos poucos homens ao seu comando, disse: “Levantai-vos, porque o Senhor tem dado o arraial dos midianitas nas vossas mãos.” Por direção divina foi-lhe sugerido um plano de ataque, o qual imediatamente ele se pôs a executar. Os trezentos homens foram divididos em três companhias. A cada homem foi dada uma trombeta, e um archote escondido em um cântaro de barro. Os homens foram estacionados de tal maneira que se aproximassem do arraial midianita de diferentes direções. Tarde da noite, a um sinal da corneta de guerra de Gideão, as três companhias soaram suas trombetas; então, quebrando os cântaros, e ostentando os fachos luzentes, precipitaram-se sobre o inimigo com o terrível grito de guerra: “Espada do Senhor, e de Gideão.” O exército, que dormia, despertou subitamente. De todos os lados via-se a luz dos archotes em chamas. Em todas as direções ouvia-se o som das trombetas, com o clamor dos assaltantes. Julgando-se sob o ataque de uma força esmagadora, os midianitas ficaram tomados de pânico. Com gritos selvagens de espanto fugiram para salvar a vida, e, tomando seus próprios companheiros como inimigos, mataram-se uns aos outros. Espalhando-se a notícia da vitória, milhares de homens de Israel que haviam sido despedidos para suas casas, voltaram, e uniram-se em perseguição do inimigo que fugia. Os midianitas se encaminhavam para o Jordão, esperando atingir seu próprio território além do rio. Gideão enviou mensageiros à tribo de Efraim, incitando-os a interceptarem aos fugitivos a passagem para os vaus do sul. Nesse ínterim, com seus trezentos, “cansados, mas ainda perseguindo”, Gideão atravessou o rio, logo após aqueles que já haviam ganho a margem oposta. Os dois príncipes, Zeba e Salmuna, que haviam estado no comando de todo o exército, e que escaparam com uma força de quinze mil homens, foram surpreendidos por Gideão, sendo essa força completamente dispersa, e os chefes capturados e mortos. Nesta formidável derrota, pereceram nada menos de cento e vinte mil dos invasores. Quebrou-se o poder dos midianitas, de modo que nunca mais puderam fazer guerra contra Israel. As notícias espalharam-se rapidamente por longe e perto, de que o Deus de Israel de novo combatera por Seu povo. Palavra alguma pode descrever o terror das nações circunvizinhas, quando souberam quão simples meio prevalecera contra o poder de um povo ousado e guerreiro. O dirigente a quem Deus escolhera para subverter os midianitas, não ocupava posição preeminente em Israel. Não era príncipe, sacerdote, nem levita. Julgava-se o menor na casa de seu pai. Mas Deus viu nele um homem de coragem e integridade. Não confiava em si próprio, e queria seguir a direção do Senhor. Deus nem sempre escolhe para a Sua obra homens dos maiores talentos; antes escolhe os que melhor pode usar. “Diante da honra vai a humildade”. Provérbios 15:33. O Senhor pode operar com mais eficácia por meio daqueles que se acham mais cônscios de sua própria insuficiência, e que confiarão nEle como seu dirigente e fonte de poder. Ele os tornará fortes, unindo sua fraqueza ao Seu poder, e sábios ligando sua ignorância à Sua sabedoria. O Senhor poderia fazer muito mais por Seu povo, se este acalentasse a verdadeira humildade; mas poucos há a quem possa ser confiada grande medida de responsabilidade ou êxito, sem que se tornem confiantes em si mesmos e esquecidos de sua dependência de Deus. É por isto que, ao escolher os instrumentos para Sua obra, o Senhor despreza aqueles que o mundo honra como grandes, talentosos e brilhantes. Estes muitas vezes são orgulhosos e confiantes em sua própria competência. Acham-se capazes de agir sem o conselho de Deus. O simples ato de fazer soar a trombeta, pelo exército de Josué, à roda de Jericó, bem como pelo pequeno grupo de Gideão, em redor das hostes de Midiã, foi eficaz pelo poder de Deus para transtornar a força de seus inimigos. O plano mais completo que tenham os homens imaginado, independente do poder e sabedoria de Deus, mostrar-se-á um fracasso, ao passo que os métodos menos promissores terão êxito se forem divinamente indicados, e executados com humildade e fé. A confiança em Deus e a obediência à Sua vontade são tão necessárias ao cristão na luta espiritual como a Gideão e a Josué nos seus combates com os cananeus. Pelas repetidas manifestações de Seu poder em prol de Israel, queria Deus levá-los a ter fé nEle — a fim de buscarem Seu auxílio, com toda a confiança, em todas as emergências. Ele está precisamente tão disposto a agir pelos esforços de Seu povo, hoje, e realizar grandes coisas por meio de fracos agentes. O Céu todo aguarda o nosso pedido de Sua sabedoria e força. Deus é “poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos”. Efésios 3:20. Gideão voltou da perseguição aos inimigos da nação para encontrar censura e acusação por parte de seus próprios compatriotas. Quando ao seu chamado os homens de Israel foram arregimentados contra os midianitas, a tribo de Efraim ficara atrás. Consideravam aquele esforço como uma ação perigosa; e, como Gideão não lhes fizesse uma convocação especial, aproveitaram-se desta desculpa para não se unirem a seus irmãos. Mas, quando a notícia da vitória de Israel chegou a eles, os efraimitas ficaram com ciúmes, porque não haviam participado da mesma. Depois da derrota dos midianitas, os homens de Efraim haviam por determinação de Gideão se apoderado dos vaus do Jordão, impedindo assim a escapada dos fugitivos. Por este meio grande número de inimigos foram mortos, entre os quais estavam dois príncipes, Orebe e Zeebe. Assim, os homens de Efraim acompanharam o combate e auxiliaram na completa vitória. Não obstante, ficaram com inveja e irados, como se Gideão fora levado pela sua própria vontade e juízo. Não discerniram a mão de Deus na vitória de Israel, não apreciaram Seu poder e misericórdia no livramento deles; e este mesmo fato demonstrou-os indignos de serem escolhidos como Seus instrumentos especiais. Voltando com os troféus da vitória, raivosamente censuraram a Gideão: “Que é isto que nos fizeste, que não nos chamaste, quando foste pelejar contra os midianitas?” “Que mais fiz eu agora do que vós?” disse Gideão. “Não são porventura os rabiscos de Efraim melhores do que a vindima de Abiezer? Deus vos deu na vossa mão aos príncipes dos midianitas, Orebe e Zeebe; que mais pude eu logo fazer do que vós?” O espírito de inveja poderia facilmente ter provocado uma contenda que haveria causado lutas e morticínio; mas a resposta modesta de Gideão abrandou a ira dos homens de Efraim, e eles voltaram em paz para casa. Firme e intransigente onde havia uma questão de princípios, e na guerra “varão valoroso”, Gideão possuía também um espírito de cortesia que raramente se vê. O povo de Israel, em gratidão pelo seu livramento dos midianitas, propôs a Gideão que ele se tornasse seu rei, e que o trono se confirmasse aos seus descendentes. Essa proposta estava em direta violação dos princípios da teocracia. Deus era o rei de Israel, e para este a colocação de um homem no trono seria a rejeição de seu Soberano divino. Gideão reconheceu este fato; sua resposta mostra quão verdadeiros e nobres eram os seus intuitos. “Sobre vós eu não dominarei”, declarou ele, “nem tão pouco meu filho sobre vós dominará; o Senhor sobre vós dominará.” Mas Gideão caiu em outro erro, que acarretou desgraça à sua casa e a todo o Israel. O perigo de inatividade que se segue a uma grande luta acha-se muitas vezes repleto de maiores perigos do que o tempo de conflito. A este perigo estava Gideão agora exposto. Um espírito de inquietação o possuiu. Até ali se contentara com realizar o que Deus lhe determinava; mas agora, em vez de esperar guia divina, começou a fazer planos por si mesmo. Havendo os exércitos do Senhor ganho uma assinalada vitória, Satanás redobrara seus esforços para transtornar a obra de Deus. Assim, idéias e planos foram sugeridos à mente de Gideão, pelos quais o povo de Israel se transviou. Porque lhe houvesse sido mandado oferecer sacrifício sobre a pedra onde o anjo lhe aparecera, concluiu Gideão que ele fora designado para oficiar como sacerdote. Sem esperar a aprovação divina, decidiu-se a arranjar um lugar conveniente, e instituir um sistema de culto semelhante àquele que se levava a efeito no tabernáculo. Com o forte sentimento popular a seu favor, não encontrou dificuldade ao executar seus planos. A seu pedido, todos os pendentes de ouro tomados aos midianitas lhe foram dados como sua participação do despojo. O povo também reuniu muitos outros materiais custosos, juntamente com as vestes ricamente adornadas dos príncipes de Midiã. Com o material assim fornecido, Gideão confeccionou um éfode e um peitoral, imitando os que eram usados pelo sumo sacerdote. Sua conduta demonstrou-se uma cilada para ele próprio e sua família, bem como a Israel. Aquele culto não autorizado levou muitos do povo afinal a esquecerem-se inteiramente do Senhor e servir aos ídolos. Depois da morte de Gideão, grande número de pessoas, entre as quais estava a sua própria família, uniu-se a esta apostasia. O povo desviou-se de Deus pelo mesmo homem que uma ocasião vencera a idolatria. Poucos há que se compenetram de quão grande alcance é a influência de suas palavras e atos. Quantas vezes os erros dos pais produzem os mais desastrosos efeitos em seus filhos, e descendentes destes, muito tempo depois que os próprios autores foram postos nos túmulos! Cada um exerce uma influência sobre os outros, e será responsável pelo resultado dessa influência. Palavras e ações têm um poder eloqüente, e a longa vida do além mostrará o efeito de nossa vida aqui. A impressão produzida por nossas palavras e ações reagirá certamente sobre nós, trazendo bênção ou maldição. Tal pensamento confere uma terrível solenidade à vida, e deve atrair-nos a Deus, com humilde oração, a fim de que Ele nos guie pela Sua sabedoria. Aqueles que ocupam as mais elevadas posições podem transviar outros. Os mais sábios erram; os mais fortes podem vacilar e tropeçar. Há necessidade de que constantemente se derrame em nosso caminho a luz do alto. Nossa única segurança está em confiar nosso caminho implicitamente Àquele que disse: “Segue-Me.” Depois da morte de Gideão, “os filhos de Israel se não lembraram do Senhor seu Deus, que os livrara da mão de todos os seus inimigos em redor. Nem usaram de beneficência com a casa de Jerubaal, a saber, de Gideão, conforme a todo o bem que ele usara com Israel”. Esquecidos de tudo que deviam a Gideão, seu juiz e libertador, o povo de Israel aceitou seu filho Abimeleque, de nascimento vil, como seu rei, o qual, para sustentar seu poderio, assassinou todos os filhos legítimos de Gideão, com exceção de um. Quando os homens rejeitam o temor de Deus, não demora afastarem-se da honra e da integridade. Uma apreciação da misericórdia do Senhor determinará a apreciação daqueles que, como Gideão, foram usados como instrumentos para abençoar Seu povo. A conduta cruel por parte de Israel para com a casa de Gideão, foi o que se poderia esperar de um povo que manifestava tamanha ingratidão para com Deus. Depois da morte de Abimeleque, o governo dos juízes que temiam ao Senhor serviu durante algum tempo para impedir a idolatria; mas não muito tempo depois o povo voltou às práticas das comunidades gentílicas que em redor deles havia. Entre as tribos do norte, os deuses da Síria e Sidom tinham muitos adoradores. Ao sudoeste os ídolos dos filisteus, e a leste os de Moabe e Amom haviam desviado os corações de Israel do Deus de seus pais. A apostasia, porém, de imediato trouxe o seu castigo. Os amonitas subjugaram as tribos orientais, e, atravessando o Jordão, invadiram o território de Judá e Efraim. Ao oeste, os filisteus subiram de sua planície ao lado do mar, queimando e pilhando por toda parte. Novamente Israel pareceu achar-se abandonado ao poder de seus inimigos implacáveis. De novo o povo procurou auxílio dAquele a quem tanto haviam abandonado e insultado. “Os filhos de Israel clamaram ao Senhor, dizendo: Contra Ti havemos pecado, porque deixamos a nosso Deus, e servimos aos baalins”. Juízes 10:10-16. Mas a tristeza não operara o verdadeiro arrependimento. O povo lamentava porque seus pecados lhes haviam acarretado sofrimento, mas não porque tivessem desonrado a Deus pela transgressão de Sua santa lei. O verdadeiro arrependimento é mais que tristeza pelo pecado. É uma decidida renúncia ao mal. O Senhor lhes respondeu por um de Seus profetas: “Porventura dos egípcios, e dos amorreus, e dos filhos de Amom, e dos filisteus, e dos sidônios, e dos amalequitas e dos maonitas, que vos oprimiam, quando a Mim clamastes, não vos livrei Eu então da sua mão? Contudo vós Me deixastes a Mim, e servistes a outros deuses, pelo que não vos livrarei mais. Andai, e clamai aos deuses que escolhestes; que vos livrem eles no tempo do vosso aperto.” Essas solenes e terríveis palavras transportam o espírito para outra cena: o grande dia do juízo final, em que os que rejeitaram a misericórdia de Deus e desprezaram Sua graça serão trazidos em face de Sua justiça. Naquele tribunal devem prestar contas os que dedicaram os talentos que Deus lhes deu — de tempo, meios ou inteligência — ao serviço dos deuses deste mundo. Deixaram seu verdadeiro e amoroso Amigo, para seguirem o caminho da conveniência e dos prazeres mundanos. Tencionavam em algum tempo voltar a Deus; mas o mundo, com suas loucuras e enganos, absorveu-lhes a atenção. Os divertimentos frívolos, o orgulho no vestir, a satisfação do apetite, lhes endureceram o coração e embotaram a consciência, de maneira que não ouviram a voz da verdade. Foi desprezado o dever. Coisas de valor infinito foram estimadas levianamente, até que o coração perdeu todo o desejo de sacrificar-se por Aquele que tanto deu pelo homem. Mas no tempo da ceifa colherão o que semearam. Disse o Senhor: “Porque clamei, e vós recusastes; porque estendi a Minha mão, e não houve quem desse atenção; antes rejeitastes todo o Meu conselho, e não quisestes a Minha repreensão; [...] vindo como assolação o vosso temor, e vindo a vossa perdição como tormenta, sobrevindo-vos aperto e angústia, então a Mim clamarão, mas Eu não responderei; de madrugada Me buscarão, mas não Me acharão. Porquanto aborreceram o conhecimento, e não preferiram o temor do Senhor; não quiseram Meu conselho e desprezaram toda a Minha repreensão. Portanto, comerão do fruto do seu caminho, e fartar-se-ão dos seus próprios conselhos.” “Mas o que Me der ouvidos habitará seguramente, e estará descansado do temor do mal”. Provérbios 1:24-31, 33. Os israelitas humilharam-se agora perante o Senhor. “E tiraram os deuses alheios do meio de si, e serviram ao Senhor.” E o amoroso coração do Senhor “se angustiou” por causa da desgraça de Israel. Oh, que longânima misericórdia de nosso Deus! Quando Seu povo abandonou os pecados que haviam excluído Sua presença, Ele lhes ouviu as orações, e logo Se pôs a agir em prol deles. Levantou-se um libertador na pessoa de Jefté, gileadita, o qual fez guerra contra os amonitas, e destruiu eficazmente o seu poderio. Durante dezoito anos, por este tempo, Israel havia sofrido sob a opressão de seus adversários; todavia a lição ensinada pelo sofrimento foi de novo esquecida. Como o povo voltasse aos seus maus caminhos, o Senhor permitiu ainda que fossem oprimidos pelos seus poderosos inimigos, os filisteus. Por muitos anos foram constantemente perseguidos, e por vezes completamente subjugados, por aquela nação cruel e belicosa. Haviam-se misturado com esses idólatras, unindo-se com eles nos prazeres e no culto, até se confundirem com os mesmos, no espírito e nos interesses. Então esses professos amigos de Israel tornaram-se seus mais obstinados inimigos, e procuravam por todos os meios conseguir sua destruição. Semelhantes a Israel, mui freqüentemente os cristãos se rendem à influência do mundo, e conformam-se aos seus princípios e costumes, a fim de obter a amizade dos ímpios; mas no fim achar-se-á que tais professos amigos são os mais perigosos adversários. A Bíblia claramente ensina que não pode haver harmonia entre o povo de Deus e o mundo. “Meus irmãos, não vos maravilheis, se o mundo vos aborrece”. 1 João 3:13. Diz nosso Salvador: “Sabei que, primeiro do que a vós, Me aborreceu a Mim”. João 15:18. Satanás opera por intermédio dos ímpios, sob a capa de uma pretensa amizade, para seduzir o povo de Deus ao pecado, a fim de que os possa separar dEle; e, quando é removida a sua defesa, leva então seus agentes a se voltarem contra eles e procurar efetuar sua destruição.
Este capítulo é baseado em Juízes 6-8; 10. Depois de seu estabelecimento em Canaã, nenhum esforço vigoroso fizeram as tribos para completar a conquista da terra. Satisfeitas com o território já ganho, seu zelo se debilitou logo, e a guerra interrompeu-se. “Quando Israel cobrou mais forças, fez dos cananeus tributários; porém não os expeliu de todo”. Juízes 1:28. O Senhor havia cumprido fielmente, de Sua parte, as promessas feitas a Israel; Josué quebrara o poder dos cananeus, e distribuíra a terra às tribos. Apenas lhes restava, confiando na certeza do auxílio divino, completar a obra de desapossar os habitantes da terra. Mas isto eles deixaram de fazer. Entrando em aliança com os cananeus, transgrediram diretamente a ordem de Deus, e assim deixaram de cumprir a condição sob a qual Ele prometera colocá-los de posse de Canaã. Desde a primeira comunicação da parte de Deus a eles no Sinai, haviam sido advertidos contra a idolatria. Imediatamente depois da proclamação da lei, foi-lhes enviada esta mensagem por intermédio de Moisés, concernente às nações de Canaã: “Não te inclinarás diante dos seus deuses, nem os servirás, nem farás conforme às suas obras; antes os destruirás totalmente, e quebrarás de todo as suas estátuas. E servireis ao Senhor vosso Deus, e Ele abençoará o vosso pão e a vossa água; e Eu tirarei do meio de ti as enfermidades”. Êxodo 23:24, 25. Deu-se-lhes a certeza de que enquanto permanecessem obedientes, Deus subjugaria seus inimigos diante deles: “Enviarei o Meu terror diante de ti, desconcertando a todo o povo aonde entrares, e farei que todos os teus inimigos te virem as costas. Também enviarei vespões diante de ti, que lancem fora os heveus, os cananeus, os heteus, diante de ti. Num só ano os não lançarei fora diante de ti para que a terra se não torne em deserto, e as feras do campo se não multipliquem contra ti. Pouco a pouco os lançarei de diante de ti, até que sejas multiplicado, e possuas a terra por herança. [...] Darei nas tuas mãos os moradores da terra, para que os lances fora de diante de ti. Não farás concerto algum com eles, ou com os seus deuses. Na tua terra não habitarão, para que não te façam pecar contra Mim; se servires aos seus deuses, certamente será um laço para ti”. Êxodo 23:27-33. Estas instruções foram reiteradas da maneira mais solene por Moisés, antes de sua morte, e foram repetidas por Josué. Deus colocara Seu povo em Canaã como poderoso parapeito, para deter a onda do mal moral, a fim de que este não inundasse o mundo. Sendo fiel a Ele, era o intuito de Deus que Israel prosseguisse de vitória em vitória. Ele daria em suas mãos nações maiores e mais poderosas do que os cananeus. A promessa era: “Se diligentemente guardardes todos estes mandamentos que vos ordeno [...] também o Senhor de diante de vós lançará fora todas as nações, e possuireis nações maiores e mais poderosas do que vós. Todo o lugar que pisar a planta do vosso pé será vosso; desde o deserto, e desde o Líbano, desde o rio, o rio Eufrates, até o mar ocidental, será o vosso termo. Ninguém subsistirá diante de vós; o Senhor vosso Deus porá sobre toda a terra que pisardes o vosso terror e o vosso temor, como já vos tem dito”. Deuteronômio 11:22-25. Mas, sem consideração para com seu alto destino, preferiram o caminho da comodidade e da condescendência própria; deixaram escapar sua oportunidade para completarem a conquista da terra; e por muitas gerações foram afligidos pelos remanescentes desses povos idólatras, que, conforme predissera o profeta, eram como “espinhos nos vossos olhos”, e como “aguilhões nas vossas ilhargas”. Números 33:55. Os israelitas “se misturaram com as nações, e aprenderam as suas obras”. Ligaram-se matrimonialmente com os cananeus, e a idolatria espalhou-se como uma praga por toda a terra. “Serviram os seus ídolos, que vieram a ser-lhes um laço. Demais disso, sacrificaram seus filhos e suas filhas aos demônios. [...] E a terra foi manchada com sangue.” “Pelo que se acendeu a ira do Senhor contra Seu povo, de modo que abominou a Sua herança”. Salmos 106:34, 38, 40. Antes que se extinguisse a geração que recebera instruções de Josué, a idolatria fez pequeno avanço; mas os pais haviam preparado o caminho para a apostasia de seus filhos. O desacato às restrições do Senhor por parte daqueles que entraram na posse de Canaã, disseminou sementes de males, as quais continuaram a produzir amargos frutos por muitas gerações. Os hábitos simples dos hebreus lhes haviam assegurado saúde física; mas a associação com os gentios determinou a condescendência com o apetite e paixão, o que diminuiu gradualmente a força física e enfraqueceu as capacidades mentais e morais. Pelos seus pecados os israelitas foram separados de Deus; Sua força foi removida deles, e não mais podiam prevalecer contra seus inimigos. Assim foram levados sob a sujeição das mesmas nações que por intermédio de Deus haviam subjugado. “Deixaram ao Senhor Deus de seus pais, que os tirara da terra do Egito” (Juízes 2:12), “e os guiou pelo deserto como a um rebanho”. Salmos 78:52. “Pois Lhe provocaram a ira com os seus altos, e despertaram-Lhe o zelo com as suas imagens de escultura”. Salmos 78:58. Portanto o Senhor “desamparou o tabernáculo em Siló, a tenda que estabelecera como Sua morada entre os homens. E deu a Sua força em cativeiro; e a Sua glória à mão do inimigo”. Salmos 78:60, 61. Todavia Ele não desamparou completamente o Seu povo. Houve sempre uns remanescentes que eram fiéis a Jeová; e de tempos em tempos o Senhor suscitava homens fiéis e valentes para derribar a idolatria e livrar os israelitas de seus inimigos. Mas quando morria o libertador, e o povo ficava livre de sua autoridade, voltavam gradualmente aos seus ídolos. E assim a história de apostasias e castigos, de confissão e livramento, repetia-se reiteradas vezes. O rei da Mesopotâmia, o rei de Moabe, e depois destes os filisteus e os cananeus de Hazor, guiados por Sísera, tornaram-se por seu turno os opressores de Israel. Otniel, Sangar, Eúde, Débora e Baraque foram levantados como libertadores de seu povo. Mas, de novo, “os filhos de Israel fizeram o que parecia mal aos olhos do Senhor, e o Senhor os deu na mão dos midianitas”. Até ali a mão do opressor não havia caído senão levemente sobre as tribos que moravam ao este do Jordão; mas na presente calamidade foram os primeiros a sofrer. Os amalequitas ao sul de Canaã, bem como os midianitas na sua fronteira oriental e nos desertos além, eram ainda os implacáveis inimigos de Israel. Esta última nação havia sido quase destruída pelos israelitas nos dias de Moisés; mas desde então aumentaram grandemente, e se tornaram numerosos e poderosos. Tinham tido sede de vingança; e agora que a mão protetora de Deus se retirara de Israel, chegara a oportunidade. Não somente as tribos ao este do Jordão, mas todo o país sofreu com suas devastações. Os habitantes selvagens e cruéis do deserto, numerosos “como gafanhotos” (Juízes 6:5), vinham como enxame sobre a terra, com seus rebanhos e gado. Como uma praga devoradora, espalhavam-se pelo país, desde o rio Jordão até à planície filisteia. Vinham logo que as searas começavam a amadurecer e ficavam até que os últimos frutos da terra fossem colhidos. Despojavam os campos de seus produtos, e roubavam e maltratavam os habitantes; e então voltavam aos desertos. Assim os israelitas que moravam em território aberto eram obrigados a abandonar suas casas, e a congregar-se nas cidades muradas, a fim de procurar refúgio nas fortalezas, e mesmo a encontrar abrigo nas cavernas e no recesso das rochas, entre as montanhas. Por sete anos continuou esta opressão, e então, como o povo em sua angústia atendesse à reprovação do Senhor, e confessasse seus pecados, Deus levantou de novo um auxiliador para eles. Gideão era filho de Joás, da tribo de Manassés. A divisão a que esta família pertencia não mantinha posição de destaque, mas a casa de Joás distinguia-se pela coragem e integridade. Quanto a seus valorosos filhos é dito: “Cada um ao parecer, como filhos de um rei”. Juízes 8:18. Todos, com exceção de um, haviam tombado nas lutas contra os midianitas, e ele fizera com que seu nome fosse temido pelos invasores. A Gideão veio o chamado divino para libertar seu povo. Estava ocupado na ocasião a trilhar o trigo. Uma pequena quantidade deste cereal fora escondida, e, não ousando ele batê-lo na eira comum, recorrera a um local próximo do lagar; pois, estando ainda longe o tempo do amadurecimento das uvas, pouca observação se dava agora às vinhas. Enquanto Gideão trabalhava em segredo e silêncio, meditava com tristeza na condição de Israel, e considerava como o jugo do opressor poderia ser quebrado de seu povo. Subitamente o “Anjo do Senhor” apareceu, e a ele Se dirigiu com estas palavras: “O Senhor é contigo, varão valoroso.” “Ai, Senhor meu”, foi a resposta, “se o Senhor é conosco, por que tudo isto nos sobreveio? e que é feito de todas as Suas maravilhas que nossos pais nos contaram, dizendo: Não nos fez o Senhor subir do Egito? Porém agora o Senhor nos desamparou, e nos deu na mão dos midianitas.” O mensageiro do Céu replicou: “Vai nesta tua força, e livrarás Israel da mão dos midianitas; porventura não te enviei Eu?” Gideão desejou algum sinal de que Aquele que agora Se lhe dirigia era o Anjo do Concerto, que, nos tempos passados, havia agido em prol de Israel. Anjos de Deus, que tiveram comunhão com Abraão, demoraram-se certa vez em sua casa a fim de participar de sua hospitalidade; e Gideão agora roga ao Mensageiro divino que fique como o seu hóspede. Indo apressadamente à sua tenda, preparou de seu escasso suprimento um cabrito e bolos asmos, que trouxe e pôs diante dEle. Mas o Anjo ordenou-lhe: “Toma a carne e os bolos asmos, e põe-os sobre esta penha e verte o caldo.” Assim fez Gideão, e então foi dado o sinal que ele desejara: com o cajado que tinha na mão o Anjo tocou a carne e os bolos asmos, e uma chama que irrompeu da pedra consumiu o sacrifício. Então o Anjo desapareceu de sua vista. O pai de Gideão, Joás, que partilhava da apostasia de seus patrícios, construíra em Ofra, onde morava, um grande altar a Baal, junto ao qual o povo da cidade adorava. Foi ordenado a Gideão destruir este altar, e erguer um altar a Jeová, sobre a rocha em que a oferta fora consumida, e ali apresentar um sacrifício ao Senhor. A oferta de sacrifício a Deus fora confiada aos sacerdotes, e se restringira ao altar em Siló; mas Aquele que estabelecera o culto ritual e para quem todas as ofertas daquele culto apontavam, tinha poder para mudar as estipulações do mesmo. O livramento de Israel deveria ser precedido por um protesto solene contra o culto de Baal. Gideão devia declarar guerra contra a idolatria, antes de sair para batalhar com os inimigos de seu povo. A determinação divina foi fielmente posta em prática. Sabendo Gideão que encontraria oposição se aquilo fosse tentado abertamente, levou a efeito o trabalho em segredo; com auxílio de seus servos, fez tudo em uma noite. Grande foi a raiva dos homens de Ofra ao virem eles, na manhã seguinte, a prestar suas devoções a Baal. Teriam tirado a vida de Gideão, caso não houvesse Joás (a quem havia sido referida a visita do Anjo) tomado a defesa de seu filho. “Contendereis vós por Baal?” disse Joás. “Livrá-lo-eis vós? Qualquer que por ele contender ainda esta manhã será morto; se é deus, por si mesmo contenda; pois derribaram o seu altar.” Se Baal não podia defender seu próprio altar, como se poderia confiar que ele protegesse seus adoradores? Todos os pensamentos de violência para com Gideão se dissiparam; e, quando ele fez soar a trombeta de guerra, os homens de Ofra acharam-se entre os primeiros a reunir-se sob sua bandeira. Arautos foram expedidos à sua própria tribo de Manassés e também para Aser, Zebulom e Naftali, e todos corresponderam ao chamado. Gideão não ousou colocar-se à frente do exército sem ainda novas provas de que Deus o chamara para este trabalho, e de que seria com ele. Ele orou: “Se hás de livrar a Israel por minha mão, como tens dito, eis que eu porei um velo de lã na eira; se o orvalho estiver somente no velo, e secura sobre toda a terra, então conhecerei que hás de livrar a Israel por minha mão como tens dito.” Pela manhã, o velo estava úmido, enquanto a terra estava seca. Mas então surgiu uma dúvida, visto que a lã naturalmente absorve a umidade quando há alguma no ar; a prova não poderia ser decisiva. Daí o pedir ele que o sinal fosse invertido, rogando que sua extrema precaução não desagradasse ao Senhor. Seu pedido foi satisfeito. Assim encorajado, Gideão guiou suas forças a dar combate aos invasores. “Todos os midianitas e amalequitas, e os filhos do oriente se ajuntaram num corpo, e passaram, e puseram o seu campo no vale de Jezreel.” A força total sob o comando de Gideão contava apenas trinta e dois mil homens; mas, com o vasto exército dos inimigos estendendo-se diante dele, veio-lhe a palavra do Senhor: “Muito é o povo que está contigo, para Eu dar aos midianitas em sua mão; a fim de que Israel se não glorie contra Mim, dizendo: A minha mão me livrou. Agora pois apregoa aos ouvidos do povo, dizendo: Quem for covarde e medroso, volte, e vá-se apressadamente das montanhas de Gileade.” Aqueles que não estavam dispostos a enfrentar perigos e dificuldades, ou cujos interesses mundanos atraíam da obra de Deus seu coração, não acrescentariam força aos exércitos de Israel. Sua presença mostrar-se-ia apenas uma causa de fraqueza. Estabelecera-se como lei de Israel que, antes de irem à guerra, se fizesse a seguinte proclamação em todo o exército: “Qual é o homem que edificou casa nova e ainda a não consagrou? vá, e torne-se à sua casa, para que porventura não morra na peleja e algum outro a consagre. E qual é o homem que plantou uma vinha e ainda não logrou fruto dela? vá, e torne-se à sua casa, para que porventura não morra na peleja e algum outro o logre. E qual é o homem que está desposado com alguma mulher e ainda a não recebeu? vá, e torne-se à sua casa, para que porventura não morra na peleja e algum outro homem a receba.” E os oficiais deviam falar ainda ao povo, dizendo: “Qual é o homem medroso, e de coração tímido? vá, e torne-se à sua casa, para que o coração de seus irmãos se não derreta como o seu coração”. Deuteronômio 20:5-8. Pelo fato de seu exército ser tão pequeno em comparação com o do inimigo, Gideão se abstivera de fazer a proclamação usual. Ficou surpreso com a declaração de que seu exército era por demais grande. Mas o Senhor via o orgulho e a incredulidade que existiam no coração de Seu povo. Despertos pelos apelos estimulantes de Gideão, alistaram-se com prontidão; mas muitos ficaram cheios de medo quando viram as multidões dos midianitas. Entretanto, caso houvesse Israel triunfado, esses mesmos teriam tomado a glória para si próprios, em vez de atribuírem a vitória a Deus. Gideão obedeceu à determinação do Senhor, e com coração pesaroso viu vinte e dois mil, ou mais de dois terços de sua força total, partirem para casa. De novo veio a ele a palavra do Senhor: “Ainda muito povo há; faze-os descer às águas, e ali tos provarei; e será que, aquele de que Eu te disser: Este irá contigo, esse contigo irá; porém todo aquele, de que Eu te disser: Esse não irá contigo, esse não irá.” O povo foi levado ao lado da água, na expectativa de fazer um avanço imediato ao inimigo. Alguns apressadamente tomaram um pouco de água na mão e a beberam enquanto andavam; mas quase todos se curvaram sobre os joelhos e comodamente beberam da superfície da corrente. Os que tomaram água com as mãos foram apenas trezentos dentre os dez mil; todavia estes foram escolhidos; a todo o resto foi permitido voltar para casa. O caráter muitas vezes é provado pelo meio mais simples. Aqueles que em tempo de perigo estavam preocupados com suprir suas necessidades, não eram os homens em quem se poderia confiar em uma emergência. O Senhor não tem lugar em Sua obra para os indolentes e condescendentes consigo mesmos. Os homens de Sua escolha foram os poucos que não permitiram que suas necessidades os detivessem no desempenho do dever. Os trezentos homens escolhidos não somente possuíam coragem e domínio próprio, mas eram homens de fé. Não se haviam contaminado com a idolatria. Deus os poderia dirigir, e por meio deles operar o livramento para Israel. O êxito não depende do número. Deus pode livrar tanto com poucos como com muitos. Ele é honrado nem tanto pelo grande número como pelo caráter daqueles que O servem. Os israelitas estavam estacionados no cume de uma colina sobranceira ao vale em que se acampavam as hostes dos invasores. “E os midianitas, e amalequitas, e todos os filhos do oriente jaziam no vale como gafanhotos em multidão; e eram inumeráveis os seus camelos, como a areia que há na praia do mar em multidão”. Juízes 7:12. Gideão tremeu ao pensar no conflito do dia seguinte. Mas o Senhor falou-lhe à noite, e ordenou-lhe que, juntamente com Pura, seu auxiliar, descesse ao acampamento dos midianitas, dando a entender que ali ele ouviria algo para a sua animação. Ele foi, e esperando nas trevas e silêncio, ouviu um soldado relatar um sonho a seu companheiro: “Eis que um pão de cevada torrado rodava pelo arraial dos midianitas, e chegava até às tendas, e as feriu, e caíram, e as transtornou de cima para baixo; e ficaram abatidas.” O outro respondeu com palavras que agitaram o coração do ouvinte invisível: “Não é isto outra coisa, senão a espada de Gideão, filho de Joás, varão israelita. Deus tem dado na sua mão aos midianitas, e a todo este arraial.” Gideão reconheceu a voz de Deus falando-lhe por meio desses estrangeiros midianitas. Voltando aos poucos homens ao seu comando, disse: “Levantai-vos, porque o Senhor tem dado o arraial dos midianitas nas vossas mãos.” Por direção divina foi-lhe sugerido um plano de ataque, o qual imediatamente ele se pôs a executar. Os trezentos homens foram divididos em três companhias. A cada homem foi dada uma trombeta, e um archote escondido em um cântaro de barro. Os homens foram estacionados de tal maneira que se aproximassem do arraial midianita de diferentes direções. Tarde da noite, a um sinal da corneta de guerra de Gideão, as três companhias soaram suas trombetas; então, quebrando os cântaros, e ostentando os fachos luzentes, precipitaram-se sobre o inimigo com o terrível grito de guerra: “Espada do Senhor, e de Gideão.” O exército, que dormia, despertou subitamente. De todos os lados via-se a luz dos archotes em chamas. Em todas as direções ouvia-se o som das trombetas, com o clamor dos assaltantes. Julgando-se sob o ataque de uma força esmagadora, os midianitas ficaram tomados de pânico. Com gritos selvagens de espanto fugiram para salvar a vida, e, tomando seus próprios companheiros como inimigos, mataram-se uns aos outros. Espalhando-se a notícia da vitória, milhares de homens de Israel que haviam sido despedidos para suas casas, voltaram, e uniram-se em perseguição do inimigo que fugia. Os midianitas se encaminhavam para o Jordão, esperando atingir seu próprio território além do rio. Gideão enviou mensageiros à tribo de Efraim, incitando-os a interceptarem aos fugitivos a passagem para os vaus do sul. Nesse ínterim, com seus trezentos, “cansados, mas ainda perseguindo”, Gideão atravessou o rio, logo após aqueles que já haviam ganho a margem oposta. Os dois príncipes, Zeba e Salmuna, que haviam estado no comando de todo o exército, e que escaparam com uma força de quinze mil homens, foram surpreendidos por Gideão, sendo essa força completamente dispersa, e os chefes capturados e mortos. Nesta formidável derrota, pereceram nada menos de cento e vinte mil dos invasores. Quebrou-se o poder dos midianitas, de modo que nunca mais puderam fazer guerra contra Israel. As notícias espalharam-se rapidamente por longe e perto, de que o Deus de Israel de novo combatera por Seu povo. Palavra alguma pode descrever o terror das nações circunvizinhas, quando souberam quão simples meio prevalecera contra o poder de um povo ousado e guerreiro. O dirigente a quem Deus escolhera para subverter os midianitas, não ocupava posição preeminente em Israel. Não era príncipe, sacerdote, nem levita. Julgava-se o menor na casa de seu pai. Mas Deus viu nele um homem de coragem e integridade. Não confiava em si próprio, e queria seguir a direção do Senhor. Deus nem sempre escolhe para a Sua obra homens dos maiores talentos; antes escolhe os que melhor pode usar. “Diante da honra vai a humildade”. Provérbios 15:33. O Senhor pode operar com mais eficácia por meio daqueles que se acham mais cônscios de sua própria insuficiência, e que confiarão nEle como seu dirigente e fonte de poder. Ele os tornará fortes, unindo sua fraqueza ao Seu poder, e sábios ligando sua ignorância à Sua sabedoria. O Senhor poderia fazer muito mais por Seu povo, se este acalentasse a verdadeira humildade; mas poucos há a quem possa ser confiada grande medida de responsabilidade ou êxito, sem que se tornem confiantes em si mesmos e esquecidos de sua dependência de Deus. É por isto que, ao escolher os instrumentos para Sua obra, o Senhor despreza aqueles que o mundo honra como grandes, talentosos e brilhantes. Estes muitas vezes são orgulhosos e confiantes em sua própria competência. Acham-se capazes de agir sem o conselho de Deus. O simples ato de fazer soar a trombeta, pelo exército de Josué, à roda de Jericó, bem como pelo pequeno grupo de Gideão, em redor das hostes de Midiã, foi eficaz pelo poder de Deus para transtornar a força de seus inimigos. O plano mais completo que tenham os homens imaginado, independente do poder e sabedoria de Deus, mostrar-se-á um fracasso, ao passo que os métodos menos promissores terão êxito se forem divinamente indicados, e executados com humildade e fé. A confiança em Deus e a obediência à Sua vontade são tão necessárias ao cristão na luta espiritual como a Gideão e a Josué nos seus combates com os cananeus. Pelas repetidas manifestações de Seu poder em prol de Israel, queria Deus levá-los a ter fé nEle — a fim de buscarem Seu auxílio, com toda a confiança, em todas as emergências. Ele está precisamente tão disposto a agir pelos esforços de Seu povo, hoje, e realizar grandes coisas por meio de fracos agentes. O Céu todo aguarda o nosso pedido de Sua sabedoria e força. Deus é “poderoso para fazer tudo muito mais abundantemente além daquilo que pedimos ou pensamos”. Efésios 3:20. Gideão voltou da perseguição aos inimigos da nação para encontrar censura e acusação por parte de seus próprios compatriotas. Quando ao seu chamado os homens de Israel foram arregimentados contra os midianitas, a tribo de Efraim ficara atrás. Consideravam aquele esforço como uma ação perigosa; e, como Gideão não lhes fizesse uma convocação especial, aproveitaram-se desta desculpa para não se unirem a seus irmãos. Mas, quando a notícia da vitória de Israel chegou a eles, os efraimitas ficaram com ciúmes, porque não haviam participado da mesma. Depois da derrota dos midianitas, os homens de Efraim haviam por determinação de Gideão se apoderado dos vaus do Jordão, impedindo assim a escapada dos fugitivos. Por este meio grande número de inimigos foram mortos, entre os quais estavam dois príncipes, Orebe e Zeebe. Assim, os homens de Efraim acompanharam o combate e auxiliaram na completa vitória. Não obstante, ficaram com inveja e irados, como se Gideão fora levado pela sua própria vontade e juízo. Não discerniram a mão de Deus na vitória de Israel, não apreciaram Seu poder e misericórdia no livramento deles; e este mesmo fato demonstrou-os indignos de serem escolhidos como Seus instrumentos especiais. Voltando com os troféus da vitória, raivosamente censuraram a Gideão: “Que é isto que nos fizeste, que não nos chamaste, quando foste pelejar contra os midianitas?” “Que mais fiz eu agora do que vós?” disse Gideão. “Não são porventura os rabiscos de Efraim melhores do que a vindima de Abiezer? Deus vos deu na vossa mão aos príncipes dos midianitas, Orebe e Zeebe; que mais pude eu logo fazer do que vós?” O espírito de inveja poderia facilmente ter provocado uma contenda que haveria causado lutas e morticínio; mas a resposta modesta de Gideão abrandou a ira dos homens de Efraim, e eles voltaram em paz para casa. Firme e intransigente onde havia uma questão de princípios, e na guerra “varão valoroso”, Gideão possuía também um espírito de cortesia que raramente se vê. O povo de Israel, em gratidão pelo seu livramento dos midianitas, propôs a Gideão que ele se tornasse seu rei, e que o trono se confirmasse aos seus descendentes. Essa proposta estava em direta violação dos princípios da teocracia. Deus era o rei de Israel, e para este a colocação de um homem no trono seria a rejeição de seu Soberano divino. Gideão reconheceu este fato; sua resposta mostra quão verdadeiros e nobres eram os seus intuitos. “Sobre vós eu não dominarei”, declarou ele, “nem tão pouco meu filho sobre vós dominará; o Senhor sobre vós dominará.” Mas Gideão caiu em outro erro, que acarretou desgraça à sua casa e a todo o Israel. O perigo de inatividade que se segue a uma grande luta acha-se muitas vezes repleto de maiores perigos do que o tempo de conflito. A este perigo estava Gideão agora exposto. Um espírito de inquietação o possuiu. Até ali se contentara com realizar o que Deus lhe determinava; mas agora, em vez de esperar guia divina, começou a fazer planos por si mesmo. Havendo os exércitos do Senhor ganho uma assinalada vitória, Satanás redobrara seus esforços para transtornar a obra de Deus. Assim, idéias e planos foram sugeridos à mente de Gideão, pelos quais o povo de Israel se transviou. Porque lhe houvesse sido mandado oferecer sacrifício sobre a pedra onde o anjo lhe aparecera, concluiu Gideão que ele fora designado para oficiar como sacerdote. Sem esperar a aprovação divina, decidiu-se a arranjar um lugar conveniente, e instituir um sistema de culto semelhante àquele que se levava a efeito no tabernáculo. Com o forte sentimento popular a seu favor, não encontrou dificuldade ao executar seus planos. A seu pedido, todos os pendentes de ouro tomados aos midianitas lhe foram dados como sua participação do despojo. O povo também reuniu muitos outros materiais custosos, juntamente com as vestes ricamente adornadas dos príncipes de Midiã. Com o material assim fornecido, Gideão confeccionou um éfode e um peitoral, imitando os que eram usados pelo sumo sacerdote. Sua conduta demonstrou-se uma cilada para ele próprio e sua família, bem como a Israel. Aquele culto não autorizado levou muitos do povo afinal a esquecerem-se inteiramente do Senhor e servir aos ídolos. Depois da morte de Gideão, grande número de pessoas, entre as quais estava a sua própria família, uniu-se a esta apostasia. O povo desviou-se de Deus pelo mesmo homem que uma ocasião vencera a idolatria. Poucos há que se compenetram de quão grande alcance é a influência de suas palavras e atos. Quantas vezes os erros dos pais produzem os mais desastrosos efeitos em seus filhos, e descendentes destes, muito tempo depois que os próprios autores foram postos nos túmulos! Cada um exerce uma influência sobre os outros, e será responsável pelo resultado dessa influência. Palavras e ações têm um poder eloqüente, e a longa vida do além mostrará o efeito de nossa vida aqui. A impressão produzida por nossas palavras e ações reagirá certamente sobre nós, trazendo bênção ou maldição. Tal pensamento confere uma terrível solenidade à vida, e deve atrair-nos a Deus, com humilde oração, a fim de que Ele nos guie pela Sua sabedoria. Aqueles que ocupam as mais elevadas posições podem transviar outros. Os mais sábios erram; os mais fortes podem vacilar e tropeçar. Há necessidade de que constantemente se derrame em nosso caminho a luz do alto. Nossa única segurança está em confiar nosso caminho implicitamente Àquele que disse: “Segue-Me.” Depois da morte de Gideão, “os filhos de Israel se não lembraram do Senhor seu Deus, que os livrara da mão de todos os seus inimigos em redor. Nem usaram de beneficência com a casa de Jerubaal, a saber, de Gideão, conforme a todo o bem que ele usara com Israel”. Esquecidos de tudo que deviam a Gideão, seu juiz e libertador, o povo de Israel aceitou seu filho Abimeleque, de nascimento vil, como seu rei, o qual, para sustentar seu poderio, assassinou todos os filhos legítimos de Gideão, com exceção de um. Quando os homens rejeitam o temor de Deus, não demora afastarem-se da honra e da integridade. Uma apreciação da misericórdia do Senhor determinará a apreciação daqueles que, como Gideão, foram usados como instrumentos para abençoar Seu povo. A conduta cruel por parte de Israel para com a casa de Gideão, foi o que se poderia esperar de um povo que manifestava tamanha ingratidão para com Deus. Depois da morte de Abimeleque, o governo dos juízes que temiam ao Senhor serviu durante algum tempo para impedir a idolatria; mas não muito tempo depois o povo voltou às práticas das comunidades gentílicas que em redor deles havia. Entre as tribos do norte, os deuses da Síria e Sidom tinham muitos adoradores. Ao sudoeste os ídolos dos filisteus, e a leste os de Moabe e Amom haviam desviado os corações de Israel do Deus de seus pais. A apostasia, porém, de imediato trouxe o seu castigo. Os amonitas subjugaram as tribos orientais, e, atravessando o Jordão, invadiram o território de Judá e Efraim. Ao oeste, os filisteus subiram de sua planície ao lado do mar, queimando e pilhando por toda parte. Novamente Israel pareceu achar-se abandonado ao poder de seus inimigos implacáveis. De novo o povo procurou auxílio dAquele a quem tanto haviam abandonado e insultado. “Os filhos de Israel clamaram ao Senhor, dizendo: Contra Ti havemos pecado, porque deixamos a nosso Deus, e servimos aos baalins”. Juízes 10:10-16. Mas a tristeza não operara o verdadeiro arrependimento. O povo lamentava porque seus pecados lhes haviam acarretado sofrimento, mas não porque tivessem desonrado a Deus pela transgressão de Sua santa lei. O verdadeiro arrependimento é mais que tristeza pelo pecado. É uma decidida renúncia ao mal. O Senhor lhes respondeu por um de Seus profetas: “Porventura dos egípcios, e dos amorreus, e dos filhos de Amom, e dos filisteus, e dos sidônios, e dos amalequitas e dos maonitas, que vos oprimiam, quando a Mim clamastes, não vos livrei Eu então da sua mão? Contudo vós Me deixastes a Mim, e servistes a outros deuses, pelo que não vos livrarei mais. Andai, e clamai aos deuses que escolhestes; que vos livrem eles no tempo do vosso aperto.” Essas solenes e terríveis palavras transportam o espírito para outra cena: o grande dia do juízo final, em que os que rejeitaram a misericórdia de Deus e desprezaram Sua graça serão trazidos em face de Sua justiça. Naquele tribunal devem prestar contas os que dedicaram os talentos que Deus lhes deu — de tempo, meios ou inteligência — ao serviço dos deuses deste mundo. Deixaram seu verdadeiro e amoroso Amigo, para seguirem o caminho da conveniência e dos prazeres mundanos. Tencionavam em algum tempo voltar a Deus; mas o mundo, com suas loucuras e enganos, absorveu-lhes a atenção. Os divertimentos frívolos, o orgulho no vestir, a satisfação do apetite, lhes endureceram o coração e embotaram a consciência, de maneira que não ouviram a voz da verdade. Foi desprezado o dever. Coisas de valor infinito foram estimadas levianamente, até que o coração perdeu todo o desejo de sacrificar-se por Aquele que tanto deu pelo homem. Mas no tempo da ceifa colherão o que semearam. Disse o Senhor: “Porque clamei, e vós recusastes; porque estendi a Minha mão, e não houve quem desse atenção; antes rejeitastes todo o Meu conselho, e não quisestes a Minha repreensão; [...] vindo como assolação o vosso temor, e vindo a vossa perdição como tormenta, sobrevindo-vos aperto e angústia, então a Mim clamarão, mas Eu não responderei; de madrugada Me buscarão, mas não Me acharão. Porquanto aborreceram o conhecimento, e não preferiram o temor do Senhor; não quiseram Meu conselho e desprezaram toda a Minha repreensão. Portanto, comerão do fruto do seu caminho, e fartar-se-ão dos seus próprios conselhos.” “Mas o que Me der ouvidos habitará seguramente, e estará descansado do temor do mal”. Provérbios 1:24-31, 33. Os israelitas humilharam-se agora perante o Senhor. “E tiraram os deuses alheios do meio de si, e serviram ao Senhor.” E o amoroso coração do Senhor “se angustiou” por causa da desgraça de Israel. Oh, que longânima misericórdia de nosso Deus! Quando Seu povo abandonou os pecados que haviam excluído Sua presença, Ele lhes ouviu as orações, e logo Se pôs a agir em prol deles. Levantou-se um libertador na pessoa de Jefté, gileadita, o qual fez guerra contra os amonitas, e destruiu eficazmente o seu poderio. Durante dezoito anos, por este tempo, Israel havia sofrido sob a opressão de seus adversários; todavia a lição ensinada pelo sofrimento foi de novo esquecida. Como o povo voltasse aos seus maus caminhos, o Senhor permitiu ainda que fossem oprimidos pelos seus poderosos inimigos, os filisteus. Por muitos anos foram constantemente perseguidos, e por vezes completamente subjugados, por aquela nação cruel e belicosa. Haviam-se misturado com esses idólatras, unindo-se com eles nos prazeres e no culto, até se confundirem com os mesmos, no espírito e nos interesses. Então esses professos amigos de Israel tornaram-se seus mais obstinados inimigos, e procuravam por todos os meios conseguir sua destruição. Semelhantes a Israel, mui freqüentemente os cristãos se rendem à influência do mundo, e conformam-se aos seus princípios e costumes, a fim de obter a amizade dos ímpios; mas no fim achar-se-á que tais professos amigos são os mais perigosos adversários. A Bíblia claramente ensina que não pode haver harmonia entre o povo de Deus e o mundo. “Meus irmãos, não vos maravilheis, se o mundo vos aborrece”. 1 João 3:13. Diz nosso Salvador: “Sabei que, primeiro do que a vós, Me aborreceu a Mim”. João 15:18. Satanás opera por intermédio dos ímpios, sob a capa de uma pretensa amizade, para seduzir o povo de Deus ao pecado, a fim de que os possa separar dEle; e, quando é removida a sua defesa, leva então seus agentes a se voltarem contra eles e procurar efetuar sua destruição.
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